sábado, 26 de setembro de 2015

o desejo de paz na diversidade. já tenho Papa


O papa que ri, por Mauro Santayanna




POR FERNANDO BRITO · 26/09/2015








Mestre Mauro Santayana, com a percepção serena que o tempo traz, produziu uma linda crônica sobre o papel que desempenha, hoje, o Papa Francisco.

Nela, esculpe um resumo incrivelmente preciso e simples das inesperadas armas com que busca a paz.

“Francisco, que une no lugar de dividir, que ri, em vez de fazer cara feia, que prega a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana”.

Bravo, Santayanna, porque isso é a tradução do que precisamos daqueles que se movem com a força da religião e que eu, um renitente ateu, amo nas bem-aventuranças de Mateus (5, 3-12).

Mais ainda porque Francisco o faz com a cabeça no versículo 17: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição.”.

Há muita gente que se ocupa, tolamente, em rotular o Papa. Uns, porque não lhe perdoam a fé, outros porque não lhe perdoam a humanidade.

No entanto, ele segue desconcertando a todos com algo que poucos homens chegam onde chegou e conservam: a simplicidade.

Porque afinal, o que será mais simples que proclamar que devem ser mais iguais aqueles que nasceram iguais?




Reproduzo um trecho do magnífico texto de Santayanna no Jornal do Brasil.



O peregrino


Mauro Santayana (trecho)
Não foi apenas pela proximidade geográfica que o Papa fez questão de ir a Cuba e aos EUA, em um único périplo.Ao escolher visitar, praticamente ao mesmo tempo, o país mais bem armado do mundo, e a pequena ilha do Caribe, que sobrevive, há décadas, em frente à costa dos Estados Unidos, com um projeto alternativo, que não segue a cartilha do “American Way of Life”, o Papa quis mostrar que não existem países mais importantes que os outros, e que todas as nações têm direito a buscar seu próprio caminho para o desenvolvimento, que pode estar simbolizado tanto por grandes foguetes e naves espaciais, como pela eliminação do analfabetismo, uma medicina de qualidade, o aumento da expectativa de vida de seus habitantes, ou um dos mais baixos índices de mortalidade infantil do mundo.


É esse desejo, de paz na diversidade, tão presente na viagem do Papa, que fez com que Francisco tenha participado ativamente do processo de reaproximação diplomática entre os Estados Unidos e Cuba, concretizado com a recente reabertura da embaixada dos EUA, com a presença do Vice-presidente norte-americano, Joe Biden, em Havana.O seu papel foi reconhecido em discurso, nos jardins da Casa Branca, pelo próprio presidente dos Estados Unidos, que agradeceu a contribuição do Papa nesses acordos, que representam um dos momentos mais marcantes da história recente.O Papa Francisco também está por trás – por seu reiterado e decidido apoio – de outro episódio inédito, de grande importância para o continente, ocorrido em Havana, apenas um dia após a sua partida: o aperto de mão, na presença do Presidente cubano Raul Castro como mediador, entre o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder guerrilheiro e comandante das FARC – Forças Armadas Revolucionárias, Rodrigo Londoño, também conhecido como Timoshenko, que sela a contagem regressiva para a conquista de uma paz definitiva, depois de mais de 50 anos de guerra civil, em um dos principais países latino-americanos.É claro que os dois fatos – a reaproximação entre Cuba e os EUA e entre o governo colombiano e as FARC – não podem agradar aos babosos, ignorantes e hipócritas anticomunistas de sempre, que, movidos por outros interesses, como a permanente gigolagem de fantasmas da Guerra Fria, prefeririam ver os Estados Unidos tentando outra frustrada invasão da ilha, quem sabe armando grupelhos radicais de vetustos, obtusos e anacrônicos anticastristas de Miami, ou aumentando sua presença militar na Colômbia, transformando aquela nação em uma espécie de Vietnam sul-americano.
Daí, por isso, o ódio dos conservadores, fundamentalistas e tradicionalistas católicos contra Francisco, um latino-americano tão independente com relação aos EUA, que nunca tinha pisado o território norte-americano antes desta semana, e que, mesmo assim, teve a honra de ser primeiro pontífice a ser recebido e a falar diretamente, como líder estrangeiro de uma religião que não é a mais importante nos EUA, para dezenas de deputados e senadores, dentro do edifício do Capitólio.


Em um mundo em que países que alegam defender a democracia bombardeiam e destroem outras nações, metendo-se em seus assuntos internos, armando mercenários e terroristas para derrubar governos que consideram hostis, sem levar em conta o terrível balanço de suas ações, em mortes, torturas, estupros e na “produção” de milhões de refugiados; em que esses mesmos refugiados morrem sem ter para onde ir, em desertos, montanhas, fronteiras ou mares como o Mediterrâneo, e são recebidos, muitas vezes, a patadas por onde chegam, ou mantidos em cercados disputando no braço um naco de pão para seus filhos, que a polícia lhes atira, com luvas de borracha, como se fossem cães; em que o egoísmo, o fascismo, a arrogância, o ódio, a hipocrisia, a mentira, renascem com renovada força, e muitos não tem mais vergonha de pregar o individualismo, o consumismo, uma pseudo “meritocracia” como doutrina a justificar a exclusão, na busca enriquecimento individual e material a qualquer preço – como se o destino de cada um dependesse apenas de si mesmo, e em nada do meio que o cerca ou das forças terrenas que o governam, explorando-o ou enganando-o, de forma permanente, e a humanidade não fosse uma construção coletiva, fruto de centenas de gerações que nos antecederam – Francisco, que une no lugar de dividir, que ri, em vez de fazer cara feia, que prega a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana – uma bússola para indicar o caminho nestes tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem em tentar impedir que amanheça, neste novo século, um novo dia.

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