quinta-feira, 1 de maio de 2014

Haitianos e a escravidão


Reclama de haitianos no Brasil e ainda diz que somos todos macacos


Blog do Sakamoto



Leonardo Sakamoto
29/04/2014 17:55


Fico descrente diante de comentários de colegas jornalistas, espumando preconceito e desinformação, criticando o “peso'' dos imigrantes haitianos para a estrutura de atendimento de saúde, educação e assistência social e reclamando do estorvo econômico que seria a chegada desse pessoal.

Como se eles mesmos não fossem frutos de alguém que deixou sua terra natal por desalento ou esperança (quando a migração foi voluntária) ou trazido à força em um porão de navio.

Os haitianos não vêm simplesmente buscando oportunidades (não encontradas no país abalado pelo terremoto de 2010, que matou 300 mil pessoas, pondo abaixo suas já frágeis economia e instituições), mas também atendendo a um chamado por mão de obra – assim como ocorre com os bolivianos. Sim, esse fluxo migratório atende à demanda por força de trabalho no Brasil, em que determinadas ocupações já não são preenchidas apenas por brasileiros, como empregadas domésticas, costureiras, além de operários da construção civil e de frigoríficos.

Sob a perspectiva mal informada de parte população, contudo, vêm “roubar'' empregos. Isso quando o preconceito não descamba para o medo de roubo de relógios, jóias, carros e casas.

A verdade é que muita gente, do Acre a São Paulo, passando por Brasília, não sabe de onde vem o incômodo que sente ao constatar centenas de haitianos chegando e andando pelas ruas.

Tenho certeza que, se tivéssemos loiros escandinavos pedindo estada ao contrário de negros, a história seria diferente. Ou seja, para esse pessoal o problema é o racismo mesmo. Com todas as letras. Somado, é claro, à sempre presente discriminação por classe social – negros ricos são menos queridos do que tolerados em uma sociedade preconceituosa como a nossa.

Algumas das pessoas que pensam dessa forma devem estar postando selfies com bananas, dizendo que somos todos macacos – um lema ridículo que faz uma crítica vazia, funcionando muito mais como modinha para oportunistas do que ajudando na conscientização sobre as causas e as consequências do preconceito. Aliás, essa pataquada foi ótima para mostrar o que já sabíamos: no dia a dia, #somostodosridículos.

Por fim, o fato da maioria de nossos antepassados ter sido explorada até o osso quando aqui chegou é mais um motivo para tratarmos com respeito os que, agora, chegam para ajudar nosso crescimento econômico e em busca de seu sustento.

O governo federal, que é o principal responsável por organizar esse processo, demorou para viabilizar e financiar estruturas de acolhida, apoio e intermediação oficial de mão de obra de modo a evitar a superexploração de haitianos que já começa a acontecer. Ou seja, falta que Brasília assuma responsabilidades.

Se o fluxo migratório boliviano ocorre, principalmente, para a capital e o interior do Estado de São Paulo, os haitianos espalham-se pelo país, com especial interesse nos Estados do Sul. Na gestão federal passada, ocorreram ações, como a intermediação de contratos com empreiteiras e que empregaram milhares de haitianos. Por que não desenvolver a política?

Enquanto isso, a sua vulnerabilidade se traduz em números: 21 haitianos foram libertados do trabalho escravo em uma ação de fiscalização do poder público em Cuiabá (MT), em uma obra do “Minha Casa, Minha Vida'', e outros 100 acabaram resgatados da escravidão em uma obra da mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG) – ambos os casos no ano passado.

Coordenamos, há anos, uma “força de paz'' no Haiti com a justificativa de ajudar a garantir a ordem e a reconstruir o país. O Brasil sempre disse que o Haiti deveria vê-lo como um irmão do Sul. Nada mais justo portanto que, no momento de necessidade, passarem um tempo na casa desse irmão. Ou, se quiserem, estabelecerem-se por aqui.

Ou não te incomoda agirmos como os idiotas agiam há 200, 100, 50 anos atrás?

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