sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Desrespeito e Lampião no processo

Mensalão
Formação de quadrilha no STF


publicada sexta-feira, 28/02/2014 às 10:20 e atualizada sexta-feira, 28/02/2014 às 10:49


Escrevinhador






Por Pedro Serrano*, na Carta Capital

A discussão sobre quadrilha dividiu os ministros em 2012, dividiu no ano passado e, agora, voltou a dividi-los, mas desta vez com um resultado diferente: em favor dos réus. A razão da divergência é simples: a acusação não conseguiu provar que os réus se reuniram de forma permanente com o propósito de cometer crimes. Seis ministros entendem que não houve formação de quadrilha e sim, como votou Rosa Weber, “situações em que os réus fazem apenas uma coparticipação para obter vantagens individuais”.

Contudo, diante das pressões por um julgamento exemplar, não seria possível concluir que “formação de quadrilha”, “sofisticada organização criminosa” ou simplesmente “associação criminosa” são tudo a mesma coisa?

Não, essa possibilidade não existe. O crime de formação de quadrilha está claramente definido no Código Penal, e ocorre quando três ou mais pessoas se associam, de maneira estável e permanente, com o propósito de cometer crimes e perturbar a paz social. O que, convenhamos, não ficou provado no julgamento.

Segundo o voto da ministra Cármen Lúcia, no caso da AP 470, tantos os réus ligados aos partidos políticos quanto os relacionados às agências de publicidade não se associaram com este fim específico. Para a ministra, eles já ocupavam tais cargos quando outros crimes foram cometidos.

A ministra Rosa Weber argumentou ainda que só atuam em quadrilha pessoas que sobrevivem dos produtos conquistados pelo crime. “O fato narrado na denúncia caracteriza coautoria e não quadrilha”, afirmou à época do julgamento.

Lampião no processo

É preciso lembrar que o delito de formação de quadrilha surge no Código Penal brasileiro na época do cangaço no sertão nordestino, quando a simples existência do grupo organizado por Lampião causava desassossego na sociedade. Ou, como diz o artigo 288 do código, era uma ameaça à “paz social”. O exemplo do cangaceiro como referência a quadrilha chegou a ser citado por Cármen Lúcia em plenário.

O debate tampouco é inédito no Supremo. Já em 2007, quando da aceitação da denúncia que deu origem à Ação Penal 470, já havia vozes na própria Corte que entendiam que a reunião de algumas pessoas para cometer delitos — sejam de ordem financeira ou eleitoral — dentro de uma agremiação política, não caracterizava a formação de quadrilha.

Mesmo assim a denúncia foi aceita sob o argumento de que era preciso ir a fundo na investigação. Cinco anos depois, superada toda a instrução penal, a acusação do Ministério Público manteve-se igualmente desprovida de provas.

Em agosto do ano passado, um caso similar chamou a atenção e sua decisão caminhou na linha da divergência aberta por Lewandowski. O STF condenou o senador Ivo Cassol (PP-RO) e outros dois réus por fraude em licitações na cidade de Rolim de Moura, em Rondônia, entre 1998 e 2002, porém os absolveu do crime de quadrilha. No entendimento do ministro Dias Toffoli, revisor do caso, não ficou provada a associação permanente para cometer crimes, como acusou o Ministério Público, restando apenas a união dos envolvidos para delitos pontuais, no sistema de coautoria. Os ministros Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki, que ainda não se pronunciaram sobre a AP 470, acompanharam o voto de Toffoli.

JB argumentou que o caso do mensalão é diferente dos aludidos julgados mas, no tocante a definição do crime de quadrilha ocorrida nesses julgamentos, essa afirmação não se sustenta. Tais julgados estabeleceram critérios para caracterização do crime. Não observá-los neste atual julgamento sem clara justificação do porquê da mudança fere a coerência como princípio da jurisdição.

O que fez a maioria do STF agora foi manter a coerência da Corte em seus julgados, o que no entender da Teoria Constitucional contemporânea é um direito fundamental da pessoa humana jurisdicionada

Desrespeito de Barbosa

De qualquer forma é inegável a divisão da Corte, o que indica correção na decisão por inocência. A questão não é de fácil interpretação, se o fosse não teria ocasionado tal divisão.

Por isso não é nada razoável quem se filie a uma dessas interpretações, por mais convicção que tenha, desqualificar os que pensam de forma contraria.

Esse fato por si só desautoriza o presidente da Corte a agir como agiu, chegando ao ponto de injustamente desqualificar a pessoa de seu colega, o ministro Barroso, pelo simples fato deste não pensar como ele.

A forma agressiva como se dirigiu a seu colega, sem favor nenhum a um dos maiores constitucionalistas brasileiros, foi totalmente despropositada, revelando comportamento estranho e inadequado a um integrante da Suprema Corte, em especial sendo seu Presidente.

No final fez discurso político, em tom de dar um pito em seus colegas contrários à sua posição. Falou como se o caso fosse de fácil e unívoca interpretação, chegando ao ponto de acusar motivações não jurídicos de seus colegas na decisão, o que também não é adequado a uma Corte de Justiça. O presidente desrespeitou seus colegas e, por consequência, o próprio STF.

De qualquer modo, esta correta decisão do STF não altera o fato de que os réus foram condenados a penas pesadas por crimes graves e infamantes por decisão irrecorrível.


* Professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)



Leia outros textos de Plenos Poderes

uma verdade, um insulto e uma fantasia


"CAI O CASTELO DE
CARTAS DO MINISTRO BARBOSA"


Brasil 247




Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno Altman narra a derrota jurídica de Joaquim Barbosa, aponta seus inacreditáveis insultos que atingem até a presidente Dilma Rousseff – um deles configurando crime de Estado – e prevê o fracasso de sua aventura política; "O ministro Barbosa afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto", diz ele; sobre seu destino, um vaticínio: "Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça"; leia a íntegra



28 DE FEVEREIRO DE 2014 ÀS 05:45

Por Breno Altman, especial para o 247

As palavras finais do presidente da corte suprema, depois da decisão que absolveu os réus da AP 470 do crime de quadrilha, soaram como a lástima venenosa de um homem derrotado, inerte diante do fracasso que começa a lhe bater à porta. A arrogância do ministro Barbosa, abatida provisoriamente pelo colegiado do STF, aninhou-se em ataque incomum à democracia e ao governo.

"Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo", discursou o relator da AP 470. "Esta maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012."

Sua narrativa traz uma verdade, um insulto e uma fantasia.

Tem razão quando vê risco de desmoronamento do processo construído sob sua batuta. A absolvição pelo crime de quadrilha enfraquece fortemente a acusação. Se não há bando organizado, perde muito de sua credibilidade o roteiro forjado pela Procuradoria Geral da República e avalizado por Barbosa. A peça acusatória, afinal, apresentava cada passo como parte minuciosa de um plano concebido e executado de forma coletiva, além de permanente, com o intuito de preservação do poder político. Se cai a tese de quadrilha, mais cedo ou mais tarde, as demais etapas terão que ser revistas. Essa é a porção verdadeira de sua intervenção matreira.

A raiva de Barbosa justifica-se porque, no coração desta verdade, está a neutralização da principal carta de seu baralho. O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas materiais ou testemunhais, como bem salientou o jurista Ives Gandra Martins, homem de posições conservadoras e antipetistas. A base de sua criminalização foi uma teoria denominada "domínio do fato": mesmo sem provas, Dirceu era culpado por presunção, oriunda de sua função de líder da eventual quadrilha. Absolvido do crime fundante, a existência de bando, como pode o histórico dirigente petista estar condenado pelo delito derivado? Se não há quadrilha, inexiste liderança de tal organização. A própria tese condenatória se dissolve no ar. O que sobra é um inocente cumprindo pena de maneira injusta e arbitrária.

Derrotado, Barbosa recorreu a um insulto: acusa o governo da República de ter ardilosamente montado uma "maioria de circunstância", como se a fonte de sua indicação fosse distinta dos demais. Aponta o dedo ao Planalto sem provas e sem respeito pela Constituição. Atropela a independência dos poderes porque seu ponto de vista se tornou minoritário. Ao contrário da presidente Dilma Rousseff, que manteve regulamentar distância das decisões tomadas pelo STF, mesmo quando eram desfavoráveis a seus companheiros, incorre em crime de Estado ao denunciar, através de uma falácia, suposta conspiração da chefe do Executivo.

A conclusão chorosa de seu discurso é uma fantasia. Não se pode chamar de "trabalho primoroso" uma fieira de trapaças. O presidente do STF mandou para um inquérito secreto, inscrito sob o número 2474, as provas e laudos que atestavam a legalidade das operações entre Banco do Brasil, Visanet e as agências de publicidade do sr. Marcos Valério. Omitiu ou desconsiderou centenas de testemunhas favoráveis à defesa. Desrespeitou seus colegas e tratou de jogar a mídia contra opiniões que lhe contradiziam. Após obter sentenças que atendiam aos objetivos que traçara, lançou-se a executá-las de forma ilegal e imoral.

O ministro Joaquim Barbosa imaginou-se, e nisso há mesmo um primor, como condutor ideal para uma das maiores fraudes jurídicas desde a ditadura. Adulado pela imprensa conservadora e parte das elites, sentiu-se à vontade no papel do pobre menino que é glorificado pela casa grande por suas façanhas e truques para criminalizar o partido da senzala.

O presidente do STF lembra o protagonista da série House of Cards, que anda conquistando corações e mentes. Para sua tristeza, ele está se desempenhando como um Frank Underwood às avessas. O personagem original comete incríveis delitos e manobras para chegar à Presidência dos Estados Unidos, derrubando um a um seus adversários. O ministro Barbosa, porém, afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto.

Acuado e sentindo o constrangimento de sua nudez político-jurídica, o ministro atira-se a vinganças, recorrendo aos asseclas que irregularmente nomeou, na Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, como feitores das sentenças dos petistas. Delúbio Soares teve o regime semiaberto suspenso na noite de ontem. José Dirceu tem contra si uma investigação fajuta sobre uso de aparelho celular, cujo único propósito é impedir o sistema penal que lhe é devido. O governo de Brasília está sendo falsamente acusado, com a cumplicidade das Organizações Globo, de conceder regalias aos réus.

O ódio cego de Barbosa contra o PT e seus dirigentes presos, que nenhuma força republicana ainda se apresentou para frear, também demonstra a fragilidade da situação pela qual atravessam o presidente do STF e seus aliados. Fosse sólido o julgamento que comandou, nenhuma dessas artimanhas inquisitoriais seria necessária.

O fato é que seu castelo de cartas começou a ruir. Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça. Homem culto, Barbosa tem motivos de sobra para uivar contra seus pares. Provavelmente sabe o lugar que a história reserva para quem, com o sentimento dos tiranos, veste a toga dos magistrados.


Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.

Ocê é um daqueles que fica desejando um novo câncer para o Reinaldo Azevedo ou para o Lula?

A história do ódio no Brasil

Revista Fórum

Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”

Por Fred Di Giacomo, do Gluck Project



As decapitações que chocam nos presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi (Reprodução/Gluck Project)


“Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas”. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal. A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil. O “mito do homem cordial”, costumeiramente mal interpretado, acabou virando o mito do “cidadão de bem amável e simpático”. Pena que isso seja uma mentira. “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”, explica o sociólogo Antônio Cândido. O brasileiro se obriga a ser simpático com os colegas de trabalho, a receber bem a visita indesejada e a oferecer o pedaço do chocolate para o estranho no ônibus. Depois fala mal de todos pelas costas, muito educadamente.

Olhemos o dicionário: cordial significa referente ou próprio do coração. Ou seja, significa ser mais sentimental e menos racional. Mas o ódio também é um sentimento, assim como o amor. (Aliás os neurocientistas têm descoberto que ambos sentimentos ativam as mesmas partes do cérebro.) Nós odiamos e amamos com a mesma facilidade. Dizemos que “gostaríamos de morar num país civilizado como a Alemanha ou os Estados Unidos, mas que aqui no Brasil não dá para ser sério.” Queremos resolver tudo num passe de mágica. Se o político é corrupto devemos tirar ele do poder à força, mas se vamos para rua e “fazemos balbúrdia” devemos ser espancados e se somos espancados indevidamente, o policial deve ser morto e assim seguimos nossa espiral de ódio e de comportamentos irracionais, pedindo que “cortem a cabeça dele, cortem a cabeça dele”, como a rainha louca de Alice no País das Maravilhas. Ninguém para 5 segundos para pensar no que fala ou no que comenta na internet. Grita-se muito alto e depois volta-se para a sala para comer o jantar. Pede-se para matar o menor infrator e depois gargalha-se com o humorístico da televisão. Não gostamos de refletir, não gostamos de lembrar em quem votamos na última eleição e não gostamos de procurar a saída que vai demorar mais tempo, mas será mais eficiente. Com escreveu Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil“, o criador do termo “homem cordial” : “No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedica­dos a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente pró­prio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação im­pessoal” Ou seja, desde o começo do Brasil todo mundo tem pensando apenas no próprio umbigo e leva as coisas públicas como coisa familiar. Somos uma grande família, onde todos se amam. Ou não?

O já citado Leandro Karnal diz que os livros de história brasileiros nunca usam o termo guerra civil em suas páginas. Preferimos dizer que guerras que duraram 10 anos (como a Farroupilha) foram revoltas. Foram “insurreições”. O termo “guerra civil” nos parece muito “exagerado”, muito “violento” para um povo tão “pacífico”. A verdade é que nunca fomos pacíficos. A história do Brasil é marcada sempre por violência, torturas e conflitos. As decapitações que chocam nos presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi. As cabeças dos bandidos de Lampião ficaram expostas em museu por anos. Por aqui, achamos que todos os problemas podem ser resolvidos com uma piada ou com uma pedrada. Se o papo informal não funciona devemos “matar” o outro. Duvida? Basta lembrar que por aqui a república foi proclamada por um golpe militar. E que golpes e revoluções “parecem ser a única solução possível para consertar esse país”. A força é a única opção para fazer o outro entender que sua ideia é melhor que a dele? O debate saudável e a democracia parecem ideias muito novas e frágeis para nosso país.

Em 30 anos, tivemos um crescimento de cerca de 502% na taxa de homicídios no Brasil. Só em 2012 os homicídios cresceram 8%. A maior parte dos comentários raivosos que se lê e se ouve prega que para resolver esse problema devemos empregar mais violência. Se você não concorda “deve adotar um bandido”. Não existe a possibilidade de ser contra o bandido e contra a violência ao mesmo tempo. Na minha opinião, primeiro devemos entender a violência e depois vomitar quais seriam suas soluções. Por exemplo, você sabia que ocorrem mais estupros do que homicídios no Brasil? E que existem mais mortes causadas pelo trânsito do Brasil do que por armas de fogo? Sim, nosso trânsito mata mais que um país em guerra. Isso não costuma gerar protestos revoltados na internet. Mas tampouco alivia as mortes por arma de fogo que também tem crescido ano a ano e se equiparam, entre 2004 e 2007, ao número de mortes em TODOS conflitos armados dos últimos anos. E quem está morrendo? 93% dos mortos por armas de fogo no Brasil são homens e 67% são jovens. Aliás, morte por arma defogo é a principal causa de mortalidade entre os jovens brasileiros. Quanto à questão racial, morrem 133% mais negros do que brancos no Brasil. E mais: o número de brancos mortos entre 2002 e 2010 diminuiu 25%, ao contrário do número de negros que cresceu 35%. É importante entender, no entanto, que essas mortes não são causadas apenas por bandidos em ações cotidianas. Um dado expressivo: no estado de São Paulo ocorreram 344 mortes por latrocínio (roubo seguido de morte) no ano de 2012. No mesmo ano, foram mortos 546 pessoas em confronto com a PM. Esses números são altos, mas temos índices ainda mais altos de mortes por motivos fúteis (brigas de trânsito, conflitos amorosos, desentendimentos entre vizinhos, violências domésticas, brigas de rua,etc). Entre 2011 e 2012, 80% dos homicídios do Estado de São Paulo teriam sido causados por esses motivos que não envolvem ação criminosa. Mortes que poderiam ter sido evitadas com menos ódio. É importante lembrar que vivemos numa sociedade em que “quem não reage, rasteja”, mas geralmente a reação deve ser violenta. Se “mexeram com sua mina” você deve encher o cara de porrada, se xingaram seu filho na escola “ele deve aprender a se defender”, se falaram alto com você na briga de trânsito, você deve colocar “o babaca no seu lugar”. Quem não age violentamente é fraco, frouxo, otário. Legal é ser ou Zé Pequeno ou Capitão Nascimento. Nossos heróis são viris e “esculacham”

Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”.

O discurso de ódio invade todos os lares e todos os segmentos. Agora que o gigante acordou e o Brasil resolveu deixar de ser “alienado” todo mundo odeia tudo. O colunista da Veja odeia o âncora da Record que odeia o policial que odeia o manifestante que odeia o político que odeia o pastor que odeia o “marxista” que odeia o senhor “de bem” que fica em casa odiando o mundo inteiro em seus comentários nos portais da internet. Para onde um debate rasteiro como esse vai nos levar? Gritamos e gritamos alto, mas gritamos por quê?

Política não é torcida de futebol, não adianta você torcer pela derrota do adversário para ficar feliz no domingo. A cada escândalo de corrupção, a cada pedreiro torturado, a cada cinegrafista assassinado, a cada dentista queimada, a cada homossexual espancado; todos perdemos. Perdemos a chance de conseguir dialogar com o outro e ganhamos mais um motivo para odiar quem defende o que não concordamos.


O discurso de ódio invade todos os lares e todos os segmentos (Reprodução/Gluck Project)


Eu também me arrependo muitas vezes de entrar no calor das discussões de ódio no Brasil; seja no Facebook, seja numa mesa de bar. Às vezes me pergunto se eu deveria mesmo me pronunciar publicamente sobre coisas que não conheço profundamente, me pergunto por que parece tão urgente exprimir minha opinião. Será essa a versão virtual do “quem não revida não é macho”? Se eu tivesse que escolher apenas um lado para tentar mudar o mundo, escolheria o lado da não-violência. Precisamos parar para respirar e pensar o que queremos e como queremos. Dialogar. Entender as vontades do outro. O Brasil vive um momento de efervescência, vamos usar essa energia para melhorar as coisas ou ficar nos matando com rojões, balas e bombas? Ou ficar prendendo trombadinhas no poste, torturando pedreiros e chacinando pessoas na periferia? Ou ficar pedindo bala na cabeça de políticos? Ficar desejando um novo câncer para o Reinaldo Azevedo ou para o Lula? Exigir a volta da ditadura? Ameaçar de morte quem faz uma piada que não gostamos?

Se a gente escutasse o que temos gritado, escrito e falado, perceberíamos como temos descido em direção às trevas interiores dos brasileiros às quais Nélson Rodrigues avisava que era melhor “não provocá-las. Ninguém sabe o que existe lá dentro.

Será que não precisamos de mais inteligência e informação e menos ódio? Quando vamos sair dessa infantilidade de “papai bate nele porque ele é mau” e vamos começar a agir como adultos? Quando vamos começar a assumir que, sim, somos um povo violento e que estamos cansados da violência? Que queremos sofrer menos violência e provocar menos violência? Somos um povo tão religioso e cristão, mas que ignora intencionalmente diversos ensinamentos de Jesus Cristo. Não amamos ao nosso inimigo, não damos a outra face, não deixamos de apedrejar os pecadores. Esquecemos que a ira é um dos sete pecados capitais. Gostamos de ficar presos na fantasia de que vivemos numa ilha de gente de bem cercada de violência e barbárie e que a única solução para nossos problemas é exterminar todos os outros que nos cercam e nos amedrontam.

Mas quando tudo for só pó e solidão, quem iremos culpar pelo ódio que ainda carregaremos dentro de nós.

Confira mais textos do Glück Project

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

quando o ódio se vestiu de toga


BARBOSA CONFESSOU:
ELE INFLOU PENA DE DIRCEU


Sem a quadrilha, mensalão virou uma mula sem cabeça !

Conversa Afiada





O Conversa Afiada publica desabafo de amigo navegante que assistiu ao julgamento de ontem com um daqueles saquinhos plásticos que ficam na poltrona da frente no avião:



SUPREMAS CONFISSÕES

A queda do factóide da quadrilha transformará o julgamento em uma verdadeira mula sem-cabeça, que só existe na imaginação patética daqueles que usam a toga para fazer politicagem.

Dirceu foi condenado “sem fax, sem telefonemas, e sem nada”, como confessou Fux ontem, novamente, em seu AI-5 jurídico, repetindo em aspas, trecho da fala de Gurgel.

Uma vergonha!

Pior ainda foi Barbosa ter confessado a Barroso que aumentou as penas em 75%, apenas para fugir da prescrição ocasionada por sua demora, e para modificar o regime inicial de cumprimento das penas.

Uma tragédia jurídica, amigo navegante.

Inexiste noticia de maior retrocesso na luta pelos direitos fundamentais.

Somente em um julgamento medieval as penas são aumentadas em 75% para punir um ser humano pela mora do judiciário em julgá-lo.

Isso é gravíssimo.

O que dirão os juízes de da Corte Interamericana de Direitos Humanos?

Vejam o diálogo medieval:

- Ministro Barroso: “E nem estou explorando, presidente – porque não tenho interesse de polemizar aqui, mas de resolver – que essa exacerbação tenha sido feita para evitar a prescrição ou para mudar o regime de semiaberto para fechado. Eu não preciso especular isso.”

- Ministro Joaquim Barbosa: “Foi feito para isso sim!!! “


Essa é a mais incrível confissão de violação de direitos humanos que já se ouviu da boca de um suposto magistrado.

Isso é a negação da Constituição, retrocesso civilizatório, algo a ser combatido e repelido, que Barbosa rasgue logo essa fantasia de juiz e saia para a politicagem.



Abraço do amigo navegante





Clique aqui para ler “Ataulfo enfia a faca em Teori”.

Aqui para ler “Barbosa acusa Dilma de escrever voto de Barroso”.

E aqui para ler “Fux, Gilmar e Barbosa: como triturar Teori no PiG”.

o carapááálida jornalístico quer mais é que ocê e eu...

Economia
Cadê a crise dos urubulinos? Brasil tem o 3º maior crescimento no mundo


publicada quinta-feira, 27/02/2014 às 11:03 e atualizada quinta-feira, 27/02/2014 às 11:57


Escrevinhador



Urubulinos perderam de novo: Globo deveria colocá-los de volta nos programas de humor, e não nas colunas sobre economia

Há, sem dúvida, muitos problemas na economia brasileira: dependência excessiva de produtos primários, indústria estagnada e, principalmente, juros extorsivos – impostos pela chantagem dos grupos financeiros (associados à velha mídia corporativa). Ainda assim, o Brasil mostra força. Em meio à crise mundial, seguimos crescendo. Em 2013, nossa economia cresceu 2,3%, atrás apenas da Coréia do Sul e da China.

Era curiosa a manchete da “Folha” na internet, nesta quinta-feira: “Brasil cresce mais do que o esperado e…” Êpa. Deram bandeira. Mais do que o esperado por quem? Agora há pouco a “Folha” resolveu corrigir a manchete: “Investimento reage e é destaque do PIB”. Destaque? Isso não é Carnaval, meu povo! Mas curioso porque um dos pontos para se pedir a demissão de Guido Mantega (o primeiro ministro da Fazenda que não se alinha automaticamente com o “mercado”, desde 1994) era justamente a falha do governo em induzir e atrair capitais para investimento.

Hum…

Mas deixemos os cães ladrarem… E vamos aos dados objetivos: o Brasil ficou atrás apenas de China e Coréia do Sul em 2013, no índice de crescimento do PIB (produção de bens e serviços da economia), entre as 13 economias que apresentaram seus dados, de acordo com seleção do IBGE.

É o que revela o Blog Radar Econômico, do Estadão. Isso mesmo: Estadão!!!

A China cresceu 5,7 pontos acima da média mundial, de 3,0%. Já a Coreia do Sul teve 2,8% de expansão.

A economia brasileira cresceu acima dos 1,9% de variação dos PIBs de África do Sul, Estados Unidos e Reino Unido. O terrorismo da velha mídia e do capital especulativo não foi suficiente para frear o crescimento no ano passado. O que vão dizer os tucanos, o Sardenberg e a Miriam Leitão? (Rodrigo Vianna e Igor Felippe)

Abaixo, leia o texto do IBGE sobre o crescimento da economia brasileira.
Em 2013, PIB cresce 2,3% e totaliza R$ 4,84 trilhões

Da Página do IBGE




Em relação ao terceiro trimestre, o PIB do quarto trimestre de 2013 cresceu 0,7%, levando-se em consideração a série com ajuste sazonal. Os serviços apresentaram expansão de 0,7%, a agropecuária teve variação nula e a indústria variação negativa de 0,2%.

Na comparação com o quarto trimestre de 2012, o PIB cresceu 1,9%, sendo que o valor adicionado a preços básicos aumentou 1,7%, e os impostos sobre produtos, 3,1%. Registraram crescimento a agropecuária (2,4%), os serviços (1,8%) e a indústria (1,5%).

No ano de 2013, o PIB aumentou 2,3% em relação a 2012, fruto do crescimento de 2,1% no valor adicionado e 3,3% nos impostos. Nessa comparação, a agropecuária (7,0%), os serviços (2,0%) e a indústria (1,3%) cresceram. Em 2013, o PIB em valores correntes alcançou R$ 4,84 trilhões. O PIB per capita ficou em R$ 24.065, apresentando uma alta, em volume, de 1,4%, em volume, em relação a 2012.

A publicação completa da pesquisa pode ser acessada na páginawww.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaultcnt.shtm



Em relação ao 3º tri de 2013, PIB cresce 0,7%

Na comparação com o 3º trimestre do ano, os serviços apresentaram expansão de 0,7%, a agropecuária teve variação nula e a indústria variação negativa de 0,2%.

Nos serviços, todas as atividades apresentaram resultados positivos, com destaque para serviços de informação (4,8%). Intermediação financeira e seguros cresceu 2,0%, seguida por outros serviços (1,2%), comércio (0,8%), transporte, armazenagem e correio (0,4%), administração, saúde e educação pública (0,4%) e atividades imobiliárias e aluguel (0,2%).

Dentre os subsetores que formam a indústria, a indústria de transformação registrou recuo de 0,9%, enquanto que a extrativa mineral e a construção civil mantiveram-se praticamente estáveis (-0,1% e 0,0%, respectivamente). Este resultado foi contrabalançado pela expansão observada em eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (1,4%).

Pela ótica do gasto, todos os componentes da demanda interna apresentaram crescimento. A despesa de consumo da administração pública se expandiu em 0,8%, seguida pela despesa de consumo das famílias (0,7%) e pela formação bruta de capital fixo (0,3%). No que se refere ao setor externo, as exportações de bens e serviços cresceram 4,1%, enquanto que as importações apresentaram variação negativa de 0,1%.

PIB cresce 1,9% em relação ao 4º trimestre de 2012

Quando comparado a igual período do ano anterior, o PIB apresentou crescimento de 1,9% no quarto trimestre de 2013. Dentre as atividades que contribuem para a geração do valor adicionado, a agropecuária cresceu 2,4%. Os produtos agrícolas cujas safras são significativas no 4º trimestre e que registraram crescimento na estimativa de produção foram o trigo (30,4%), a cana de açúcar (10,0%) e o fumo (5,5%), enquanto a laranja (-14,8%) e a mandioca (-9,5%) tiveram queda, segundo o LSPA/IBGE divulgado em fevereiro de 2014.

A indústria apresentou expansão de 1,5%. Nesse contexto, a indústria de transformação apresentou crescimento de 1,3%. O seu resultado foi influenciado pelo aumento da produção de máquinas e equipamentos; material eletrônico e equipamentos de comunicação; outros equipamentos de transporte; perfumaria; refino de petróleo e álcool; e produtos de madeira. A construção civil também apresentou aumento no volume do valor adicionado de 2,4%, eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana apresentou crescimento de 3,4% e a extrativa mineral recuou 0,9% em relação ao último trimestre de 2012.

O valor adicionado de serviços cresceu 1,8% na comparação com o mesmo período do ano anterior, com destaque para os serviços de informação (7,6%). O comércio (atacadista e varejista) apresentou expansão de 2,9%, seguido por administração, saúde e educação pública (2,4%), transporte, armazenagem e correio (2,2%), serviços imobiliários e aluguel (1,5%) e Intermediação financeira e seguros (1,1%). Já a atividade de outros serviços apresentou recuo de 0,6% no trimestre.

Dentre os componentes da demanda interna, destaque para o crescimento de 5,5% da formação bruta de capital fixo, justificada pela expansão da produção interna de bens de capital. A despesa de consumo das famílias apresentou crescimento de 1,9%, sendo esta a 41ª variação positiva consecutiva nessa base de comparação. A despesa de consumo da administração pública cresceu 2,0% na comparação com o mesmo período de 2012. Pelo lado da demanda externa, tanto as exportações (5,6%) quanto as importações (4,8%) de bens e serviços apresentaram aumento.

Em 2013, PIB cresce 2,3% e PIB per capita cresce 1,4%

O PIB em 2013 acumulou crescimento de 2,3% em relação ao ano anterior. Em 2012, o crescimento acumulado no ano foi de 1,0%. Já o PIB per capita alcançou R$ 24.065 (em valores correntes) em 2013, após ter crescido (em termos reais) 1,4% em relação a 2012.




A expansão do PIB resultou do aumento de 2,1% do valor adicionado a preços básicos e do crescimento de 3,3% nos impostos sobre produtos líquidos de subsídios. O resultado do valor adicionado neste tipo de comparação refletiu o desempenho das três atividades que o compõem: agropecuária (7,0%), indústria (1,3%) e serviços (2,0%).

O crescimento em volume do valor adicionado da agropecuária decorreu do comportamento de várias culturas importantes da lavoura que registraram aumento na estimativa anual de produção e ganhos de produtividade, com destaque para soja (24,3%), cana de açúcar (10,0%), milho (13,0) e trigo (30,4%).

Na indústria, destacou-se o crescimento da atividade de eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (2,9%), puxado pelo consumo residencial de energia elétrica. Já a extrativa mineral acumulou queda de 2,8%, influenciado pela queda na extração de minérios. A construção civil e a indústria de transformação cresceram, ambas, 1,9% em relação a 2012.

Todas as atividades que compõem os serviços registraram crescimento acumulado no ano: serviços de informação (5,3%), transporte, armazenagem e correio (2,9%), comércio (2,5%), serviços imobiliários e aluguel (2,3%), administração, saúde e educação pública (2,1%), intermediação financeira e seguros (1,7%) e outros serviços (0,6%).

Na análise da demanda, o crescimento de 6,3% da formação bruta de capital fixo foi o destaque, puxado pelo aumento da produção interna de máquinas e equipamentos. A despesa de consumo das famílias cresceu 2,3%, sendo este o 10º ano consecutivo de crescimento. Tal comportamento foi favorecido pela elevação da massa salarial e pelo acréscimo do saldo de operações de crédito do sistema financeiro com recursos livres para as pessoas físicas. A despesa do consumo da administração pública aumentou 1,9%.

No âmbito do setor externo, tanto as exportações (2,5%) quanto as importações (8,4%) de bens e serviços cresceram. Entre as exportações, destaque para produtos agropecuários; outros equipamentos de transporte; veículos automotores e refino de açúcar. Já nas importações, os destaques foram indústria petroleira; serviços de alojamento e alimentação; máquinas e equipamentos; óleo diesel e peças para veículos automotores.

A taxa de investimento no ano de 2013 foi de 18,4% do PIB, ligeiramente acima do observado no ano anterior (18,2%). A taxa de poupança foi de 13,9% em 2013 (ante 14,6% no ano anterior).




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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

o petróleo do pré-sal é nosso! enquanto o carapááálida deixar... como já disse, 2014 é sobre o pré-sal!


Venezuela: a próxima vítima dos EUA

Por F.C. Leite Filho, na Revista Diálogos do Sul:


O politólogo Moniz Bandeira, autor do livro A Segunda Guerra Fria advertiu que o que ocorre na Venezuela é produto da mesma estratégia aplicada nos países da Eurásia, na chamada “primavera árabe” e outra vez na Ucrânia. Segundo Moniz, autor de mais de 20 livros sobre as relações dos Estados Unidos com a América Latina e agora com a Europa e a Ásia, há um esquema de Washington para subverter os regimes, que foi aperfeiçoado, desde o governo de George W. Bush, e começa com o treinamento de agentes provocadores.

- Tais agentes infiltrados organizam manifestações pacíficas, com base nas instruções do professor Gene Sharp, no livro From Dictatorship to Democracy, traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas fundações e ONGs. O objetivo é levar os governos a reagirem, violentamente, e assim poderem ser acusados de excessos na repressão das manifestações e de violar os direitos humanos etc., o que passa a justificar a rebelião armada, financiada e equipada do exterior e, eventualmente, a intervenção humanitária – explica o politólogo.

A estratégia, ainda segundo Moniz Bandeira, hoje residindo na Alemanha, consiste em fomentar o Political defiance, i.e., o desafio político, termo usado pelo coronel Robert Helvey, especialista da Joint Military Attaché School (JMAS), operada pela Defence Intelligence Agency (DIA), para descrever como derrubar um governo e conquistar o controle das instituições, mediante o planejamento das operações e a mobilização popular no ataque às fontes de poder nos países hostis aos interesses e valores do Ocidente.

- Ela visa a solapar a estabilidade e a força econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da força por meio da insurreição, mas provocando violentas medidas, a serem denunciadas como “overreaction by the authorities and thus discrediting the government”. A propaganda é “a key element of subversion” e inclui a publicação de informações nocivas às forças de segurança, bem como a divulgação de rumores falsos ou verdadeiros destinados a solapar a credibilidade e a confiança no governo, diz o politólogo brasileiro.

Trata-se do que o coronel David Galula definiu como “cold war revolutionary”, i.e., atividades de insurgência que permanecem, na maior parte do tempo, dentro da legalidade, sem recorrer à violência.

- Assim aconteceu na Sérvia, na Ucrânia, Geórgia e em outros países, pela Freedom House e outras ONGs americanas, que instigaram e ajudaram, com o emprego de ativistas, a impulsar as demonstrações na Síria, como expus, documentadamente, em a A Segunda Guerra Fria. Agora está sendo aplicada na Venezuela e, seguramente, tentam aplicar no Brasil com os black block.

As conclusões de Moniz Bandeira estão fartamente no livro A Segunda Guerra Fria, editado recentemente pela Editora civilização Brasileira, inclusive com edição em e-book nas diversas ofertas do mercado, como aAmazon.com

Sobre o livro


Os Estados Unidos por trás das revoltas da chamada Primavera Árabe e como mentor dos atos de terrorismo de Estado no Oriente Médio, são algumas das conclusões do novo livro do cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, há 17 anos residindo na Alemanha, e que chega ao Brasil sob o título “A Segunda Guerra Fria – Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos – Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e Oriente Médio”. É lançado pela Editora Civilização Brasileira, com prefácio do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Aprofundando e atualizando as questões apresentadas em “Formação do Império Americano”, seu último livro sobre a região, de 2005, traduzido até para o chinês, o autor de mais de 20 obras e considerado a maior autoridade na análise da influência da política norte-americana no Brasil e no continente, faz algumas revelações, nesta obra, que deixariam pasmado qualquer observador menos atento da cena internacional:

“Foram a CIA e o Inter-Services Intelligence (ISI) do Paquistão e o Ri’ãsat Al-Istikhbãrãt Al-’Ãmah, o serviço de inteligência da Arábia Saudita, que institucionalizaram o terrorismo em larga escala, com o estabelecimento de campos de treinamento no Afeganistão, a fim de combater as tropas da União Soviética (1979-1989), fornecendo aos mujahin toda sorte de recursos e sofisticados petrechos bélicos - de 300 a 500 mísseis antiaéreos Stinger, dos Estados Unidos”. Antes, ele havia assinalado logo no início, à página 37, que o terrorismo, na realidade, não era novo e nos anos 1960 e 1970, tanto a Organização para a Liberação da Palestina (OLP), quanto a Frente de Libertação Nacional (FLN), da Argélia, e a Frente de Libertação da Eritreia (FLE) recorreram a esse método de luta, sem que configurasse ameaça internacional. Tais ações seriam parte da estratégia dos Estados Unidos e da Europa para travar a influência, primeiro da União Soviética, e depois da Rússia e da China naquela parte do mundo que controla dois terços da produção mundial de petróleo.

Outros dados da operação afegã: ”A CIA forneceu em torno de 3,3 bilhões de dólares, dos quais pelo menos a metade proveio da Arábia Saudita. Mais de US$ 250 milhões fluíam mensalmente, para os mujahidin da Arábia Saudita e de outros países árabes… Entrementes, agentes do ISI e da CIA recrutavam e treinavam entre 16.000 e 18 mil mujahihin, aos quais Usamah (Osama) bin Ladin uniu um contingente de 35.000 árabes-afegãos. O MI6 (Secret Intelligenece Service), da Grã Bretanha, também colaborou na operação, apoiando, com equipamentos de rádio e instrutores, os mujahidin de Ahmad Shah Massoud (1953-2001), um sunita-afegão-tadjique que posteriormente comandaria a Aliança Norte contra os Talibãs”.

O livro, de 714 páginas, é muito minucioso e didático, mostrando, com abundantes mapas, gráficos e documentos confidenciais, cada uma das situações da região, abalada mais recentemente com as revoltas iniciadas na Tunísia, Líbia, Egito, Yemen e Síria. Cada episódio vem encadeado em capítulos sempre precedidos de resumo e de ementas. São exemplos as razões profundas da derrubada e do linchamento físico do ex-homem forte da Líbia, Muammar Gadaffi, , a resistência do presidente da Síria, Bashar Al-Assad, e a impopularidade dos rebeldes sírios, por devastarem as cidades e o embuste dos direitos humanos, usado pelas grandes potências para justificar sua intervenção.

Quanto à Líbia, o livro relata a política de boa vizinhança tentada por Gaddafi, que incluiu a renúncia à energia nuclear, o restabelecimento de relações com Washington, Londres e Paris. Mas o que se viu em seguida foi “a revolução fabricada pelo DSGE da França, a matança de entre 90.000 e 120.000 pessoas, Gaddafi linchado, brutalizado, abusado, assassinado”. O resultado do que ele chama de disputa pelo “sramble” petrolífero foi que a Líbia virou “um país sem governo e sem Estado, o vacuum político e as disputas tribais”.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

liberdade de expressão? pois é, né? chega a ser piada, mas não é


Ali Kamel, Comunique-se e a verdade

Do blog Viomundo:

Ao Comunique-se:

Considerando que o Comunique-se é um veículo voltado para jornalistas, que não se apresenta como patronal e que respeita a verdade factual, esclarecemos:

1. Somos processados pelo atual diretor de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, por motivos diversos. Um deles, relacionado à exibição, pelo blog Cloaca News, de Porto Alegre, de um vídeo com cenas do filme Solar das Taras Proibidas (1984).

2. Como pode ser comprovado pelos créditos iniciais da película e pelo cartaz original da obra, anexo, o elenco masculino do filme é encabeçado pelo ator identificado como ALI KAMEL, homônimo do atual diretor de Jornalismo da influente rede de TV, e não Alex Kamel, conforme noticiou o site Comunique-se. O nome Alex Kamel figura em uma ficha catalográfica do site Cinemateca Brasileira, do Ministério da Cultura.

As cenas iniciais do filme Solar das Taras Proibidas, com os respectivos créditos, podem ser vistas neste link: http://goo.gl/lFCo8Z.

Como, desde sempre, o foco de nossa piada era a homonímia, está claro que ela existe em relação ao nome que aparece nos créditos do filme.

3. A despeito do caráter satírico de diversas postagens, em momento algum houve qualquer afirmação ou cogitação de que o ator e o jornalista pudessem ser a mesma pessoa. No entanto, o fato deu oportunidade para uma crítica bem humorada, apesar de mordaz, ao jornalismo da TV Globo, prática legítima em um ambiente democrático e de respeito à liberdade de expressão.

4. As críticas que fizemos a Ali Kamel, o diretor da TV Globo, não foram pessoais, mas ao jornalismo dirigido e praticado por ele.

5. Ali Kamel é um figura pública, dirigente da maior emissora de TV da América Latina, uma das maiores do mundo. Escreveu artigos e livros. Um deles, Não Somos Racistas, foi badaladíssimo e formou opinião contra a implementação de cotas raciais no Brasil. Kamel também criticou aspectos do programa Bolsa Família.

6. Uma figura pública pode e deve ser criticada, especialmente quando atua em uma emissora de televisão que é concessão pública e influencia a opinião de milhões de brasileiros. Chama-se liberdade de expressão.

7. Habilmente, advogados de Kamel retiraram as críticas feitas a ele do contexto político em que se deram, focaram na piada referente ao filme. Estamos certos de que conseguiremos reverter as sentenças dadas até agora no Rio de Janeiro, sede da poderosa Rede Globo.

8. Independentemente do resultado das ações, no entanto, estamos felizes de ter atuado em defesa de programas hoje aceitos pela grande maioria dos brasileiros, como o Bolsa Família e as cotas para negros nas universidades. Elas ajudam a diminuir a histórica desigualdade entre os brasileiros, que se aprofundou durante a ditadura militar, que ascendeu ao poder há 50 anos, com apoio e tendo como uma das principais beneficiárias a Rede Globo.

Assinado por:

Luiz Carlos Azenha: blog Viomundo (viomundo.com.br)

Miguel do Rosário: blog O Cafezinho (ocafezinho.com)

Rodrigo Vianna: blog Escrevinhador (www.rodrigovianna.com.br)

Willians Barros: blog Cloaca News (cloacanews.blogspot.com.br)

*****

PS do Viomundo: Lauro Jardim, da Veja, foi um dos propagadores de mentiras sobre o caso. Vejam a mentira que ele escreveu em sua coluna eletrônica:

“Azenha foi condenado por ter escrito, em cerca de trinta posts, que o diretor da Central Globo de Jornalismo foi ator pornô durante a juventude. Kamel provou na Justiça que nunca houve um ator chamado Ali Kamel. Mas, sim, um certo Alex Kamel – que, a propósito, não é seu parente – estrela de um certo Solar das Taras Proibidas”.

Eu, Azenha, nunca escrevi em um só post que Ali Kamel foi ator pornô durante a juventude. Pelo contrário, a única coisa que escrevi sobre o assunto é que se tratava de um homônimo. Porém, o jornalista da Veja não teve a curiosidade de ler o processo, nem de me ouvir, nem de ouvir meu advogado. Propagou uma mentira. Vamos solicitar judicialmente uma correção.

PS2 do Viomundo: Como eles atiram nos blogueiros usando meios poderosos, pedimos aos nossos leitores que nos ajudem disseminando este post via redes sociais. Obrigado.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Forjar o medo! Caluniar, mas fazer discussão política aberta não é prioridade do carapááálida


Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".



CUBA, VENEZUELA E BRASIL
Quem quer agitar um velho espantalho da Guerra Fria


Num momento em que o publicitário aposentado Enio Mainardi pede “contrarrevolução já” e apela para golpe militar para impedir que uma aliança formada pelo presidente venezuelano Nicolas Maduro, Lula, Dilma e Fidel Castro transforme nosso Continente numa “ex-Democracia, comandada por líderes comunistas”, convém definir o que pode haver de realidade além do folclore anacrônico e ridículo.

Em 25 minutos imperdíveis, o jornalista Igor Fuser foi a GloboNews para dar uma aula impecável sobre a realidade venezuelana desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, uma década e meia atrás. Quem não assistiu não pode perder a oportunidade.

Há mais de uma década que a oposição brasileira procura semelhanças entre o governo Lula-Dilma e Hugo Chávez. Esses paralelos fazem parte daquelas fantasias comuns no período da Guerra Fria que continuam reproduzidas pela turma que não aproveitou a globalização para ler jornais melhores.

Chávez chegou ao poder como um político de formação revolucionária, com um compromisso favorável a mudanças radicais que nunca fizeram parte do horizonte de Lula.

A partir de uma perspectiva diferente, Chávez também teve uma atuação diferente, de quem fazia apostas na mobilização popular para enfrentar e derrotar a elite de seu país – em vez de procurar o consenso e a negociação, que sempre foram instrumentos prediletos de Lula. No plano internacional, opresidente brasileiro teve uma convivência com o presidente George W Bush que seria considerada inaceitável por Chávez.

O que há de mais parecido nos dois países não são os governos, mas a postura de suas oposições diante do processo de mudança social em curso na Venezuela e no Brasil.

Derrotada nas urnas há 15 anos, sem intervalos, a oposição venezuelana fez diversas tentativas de impedir a consolidação de Hugo Chávez no poder. Deu um golpe de Estado de 72 horas, no início de 2002. Apesar do apoio incondicional da Embaixada americana, que usou sua influencia para pedir o reconhecimento imediato do novo governo, o repúdio internacional – inclusive do governo Fernando Henrique Cardoso – levou à restauração democrática e permitiu o retorno de Chávez ao poder.

No final daquele mesmo ano, a oposição ensaiou um segundo golpe. Paralisou as refinarias de petróleo – responsáveis por 90% das divisas necessárias a compra de bens de primeira necessidade, inclusive alimentos e roupas – numa tentativa de sufocar a economia e forçar a queda do governo. Já eleito novo presidente, Lula teve um papel essencial no desarme da crise. Anunciou que no primeiro dia da posse a Petrobrás iria enviar um navio de petróleo em direção a Caracas. Lula também articulou, com presidentes de países vizinhos, o apoio a convocação de um referendo revocatório, pelo qual Chávez consultaria a população sobre sua permanência na presidência. Inicialmente desconfiado, Chávez acabou concordando com a iniciativa. Venceu o referendo sem dificuldade, ampliando sua base política de apoio.

No episódio seguinte, a oposição apostou na criação de uma nova crise a partir de uma decisão suicida. Convencidos de que não teriam chances de obter uma parcela importante das cadeiras na Assembleia Nacional, seus lideres boicotaram as eleições parlamentares. A ideia era retirar a legitimidade de toda decisão que saísse do Legislativo para forçar uma nova paralisia do governo e facilitar novas iniciativas de isolamento internacional. Mais uma vez, deu errado. Mesmo sem oposição parlamentar, o governo Chávez foi capaz de agir dentro de um quadro coerente com a relação de forças do país. Manteve a iniciativa política, aprovou medidas de acordo com seu programa mas dificilmente será acusado – a sério – de aproveitar-se da retirada de seus adversários para cometer aventuras políticas. Na prática, era acusado de monopolizar o poder por uma oposição que fora reduzida, por decisão de sua única responsabilidade, a um papel de comentar os atos do governo.

O que se vê, na atitude da oposição venezuelana é uma visão clara e radical da situação política. Não é capaz de aceitar, democraticamente, um prolongado quadro institucional desfavorável, marcado por sucessivas derrotas eleitorais que, de uma forma ou de outra, têm resultado em medidas que a maioria da população aprova. Seu horizonte é o da ruptura e do golpe de Estado, convencida de que, se fizer sua parte, isto é, demonstrar competência para produzir a queda de Nicolas Maduro, não lhe faltará o necessário apoio dos Estados Unidos para consolidar a nova ordem.

Em 2002, com George W Bush na Casa Branca, a política de combate ao chamado “Eixo do Mal” assegurou um papel ativo de emissários norte-americanos a Caracas, a tal ponto que muitas posições na embaixada americana passaram ao controle de veteranos de operações anti-comunistas na América Central, os contras que atuaram na Nicarágua e El Salvador. Com Barack Obama, a Casa Branca manteve-se numa posição menos ativa, ainda que, nos últimos dias, com a evolução da crise em Caracas, tenha feito exigências fora do tom diplomático aceitável. A presença de aliados de Maduro nos principais países vizinhos, a começar pelo governo brasileiro, de longe o Estado mais influente da região, é um elemento poderoso de dissuasão contra um envolvimento maior dos EUA. A reação firme contra o golpe que derrubou o presidente Lugo, no Paraguay, tem algo a ver com isso.

Os médicos cubanos se tornaram uma obsessão da oposição brasileira depois de terem ocupado o mesmo lugar na estratégia da oposicáo venezuelana. Cheguei a visitar centros de saúde da periferia de Caracas e também entrevistei o responsável pela Organização Pan Americana de Saúde, que possui estatísticas capazes de mostrar o progresso ocorrido nas regiões mais pobres do país.

Embora a oposição faça questão de desqualificar médicos cubanos, é difícil negar oferecem aos venezuelanos um cuidado e um tratamento a que eles jamais tiveram acesso. Ganham muito menos do que os rendimentos auferidos pelos médicos do país. Mas é justamente por isso que são capazes de prestar serviços que jamais puderam ser oferecidos aos venezuelanos pobres. Alguma semelhança com o Mais Médicos?

Com uma dependência histórica das exportações de petróleo, um mercado interno relativamente pequeno, a Venezuela pagou um preço mais alto do que o Brasil pela crise internacional iniciada em 2008. O crescimento econômico caiu, a inflação subiu, o desemprego aumentou. Mas mesmo assim, Chávez conseguiu se eleger – já doente terminal – e seu sucessor nomeado, Nicolas Maduro, foi escolhido como novo presidente, numa prova de que a população resiste na defesa de suas conquistas.

No Brasil, que vive uma situação objetiva mais confortável, a oposição precisa do pessimismo psicológico como uma política permanente. Compreende-se. Com índices excelentes de emprego e de contínua distribuição de renda, é complicado travar uma discussão eleitoral aberta, a partir de argumentos racionais e propostas objetivas. É necessário alimentar o tumulto, criar a desesperança, forjar o medo.

Publicitários sabem fazer isso.

Em 1962, Juarez Bahia perdeu o emprego de redator chefe do Correio da Manhã, então o mais influente jornal brasileiro, quando se recusou a engajar a publicação numa campanha para obrigar o governo João Goulart a (advinhou!) romper relações com Cuba.

As mais aplicadas partidários da ruptura, nos meios de comunicação, eram as filiais das grandes agencias de publicidade norte-americanas.

Dois anos depois da saída de Juarez Bahia, o Correio fez o editorial “Basta!”, quando deixou o campo da democracia, onde havia firmado uma invejável tradição, para apoiar o golpe militar que derrubou Goulart.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

quando nem cérebro têm os cabeça leve


“Não torturem os cachorrinhos, só torturem os negrinhos”. Para ser lido nas escolas.

20 de fevereiro de 2014
Autor: Fernando Brito






O mestre Mauro Santayanna, que talvez não detenha a capacidade de uma Rachel Sheherazade ou o brilho intelectual de um Reinaldo Azevedo para ser convidado a comentar numa rede de televisão ou escrever na Veja, nos brinda hoje com um texto que deveria ser lido em todas as escolas brasileiras e servir de tema de debate aos jovens.

É destas coisas que fazem alguém, como fiz há quase 40 anos, escolher o jornalismo como profissão e a humanidade como a mais sagrada das religiões.

Santayanna atinge o torturador em seu mais falso orgulho: a sua coragem, que é apenas covardia.

Acusa a Justiça, como instituição, por sua leniência com o crime que ela deixa à vitima, se ainda não tiver tido medo suficiente de morrer, o risco de, além de denunciar, provar. E, em geral, para ouvidos moucos, porque, muitas vezes, é “o marginalzinho” a que se referiu nossa Barbie.

E aponta o erro nosso, da sociedade, de promover ou aceitar a barbárie com o suposto fim de evitar o crime e a violência, que não podem ser evitados, como deveria ser obvio, pelo crime e pela violência.

E que talvez nos obrigue, 80 anos depois, ao mesmo gesto de Sobral Pinto, diante da fúria de Filinto Muller com Prestes, a invocar, para os seres humanos, o direito previsto na Lei de proteção aos Animais.
Sobre a tortura

Mauro Santayanna

O que é a tortura? Como um ser humano pode conceber usar o corpo de outro ser humano, que possui a mesma pele, a mesma boca, os mesmos dentes, os mesmos ossos, os mesmos cabelos, os mesmos bilhões de neurônios, para puni-lo com dor, desespero e medo?

A convenção das Nações Unidas, de 1984, contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, define a tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação”.

São muitos os que buscam atribuir a tortura à natureza humana, como fazem com a guerra e outros crimes. Mas existe um enorme abismo entre quem luta e o torturador. O guerreiro luta por uma causa. Está sujeito a morrer por uma fonte de água, a carcaça de uma presa recém-abatida, por sua mulher e seus filhos.

O combatente atávico que existe em cada um de nós sabe dos riscos que corre, em defesa de suas circunstâncias, de suas ideias, de sua condição. Pode morrer ou ser ferido em batalha.

O torturador se distingue pela ausência de riscos, de coragem. O torturado sempre está desarmado, ou amarrado e indefeso, frente a ele. O torturador brinca com o medo do outro, porque, dentro de si mesmo, não consegue enfrentar e encarar o próprio medo. Ele é covarde por natureza, é movido pelo mal e o sadismo, e por sua fraca e abjeta personalidade. Ele não precisa de uma ideia, de uma razão.

“A finalidade do terror é o terror. O objetivo da opressão, a opressão. A finalidade da tortura é a tortura. O objetivo da morte é a morte. A finalidade do poder é o poder. Você está começando a me entender?”

explica, a um prisioneiro, um personagem de George Orwell, no livro 1984. Os torturadores são, antes de tudo, psicopatas. Dependendo do momento da história, irão torturar em nome de Deus, de uma bandeira, um uniforme, uma ideologia, uma religião. Use a roupa que usar, ocupe seja que cargo, o torturador não passa de criminoso vulgar.

Uma sociedade que abomina assassinos, ladrões, corruptos, estupradores, não pode aceitar conviver, em seu seio, com torturadores. Até mesmo porque o torturador quase sempre é, também, assassino, ladrão, corrupto e estuprador.

A diferença entre a tortura e a lei é a mesma que existe entre a barbárie e o progresso. Aceitar a tortura como inerente à condição humana é o mesmo que negar que um povo, um Estado, uma nação, a humanidade possam evoluir.

Dostoiévski dizia que a melhor forma de medir o grau de civilização de um país¬ era conhecer, por dentro, suas prisões. Nesse aspecto, a situação no Brasil é vergonhosa. Não apenas com relação às condições e superlotação de nossas cadeias, mas pela forma como nossa sociedade convive com a tortura e o torturador.

O brasileiro médio é falso, hipócrita e leniente com relação à tortura. As mesmas pessoas que se revoltam com o vídeo feito por uma vizinha, mostrando uma mulher espancando um cachorrinho na área de serviço, se regozijam quando veem um menino ou menina de 7, 8 anos – morador de rua e muitas vezes, já dominado pelo crack – ser agarrado pela orelha, e tomar uma surra de policiais ou seguranças. Param, a caminho do trabalho, para deleitar-se.

O agente do Estado, no Brasil, formado em uma longa tradição autoritária, que vem desde os capitães do mato, e dos diferentes hiatos ditatoriais de nossa história, acha que tem direito de vida ou morte sobre o suspeito. Isso está fartamente demonstrado não apenas nos milhares de casos de mortes por “auto de resistência”, mas também pelo que ocorre com os presos, muitos sem sequer terem passado por julgamento, no interior de nossas prisões. O mesmo vale para o outro lado da moeda.

Da mesma forma que um policial corrupto espanca, humilha e ameaça matar a mãe ou a filha de um suspeito, para saber – em interesse próprio – onde está escondido o produto de um assalto ou a droga recém-chegada, a violência extrema tem sido praticada, também, pelas novas gerações de marginais, que torturam e matam famílias, crianças e idosos, para tentar saber onde está um punhado de reais. Como controlar essa corrente de estupidez?

Um bom começo, do ponto de vista do Judiciário, seria perder o pudor de usar a lei e condenar alguém pelo crime de tortura. Raramente alguém que comete latrocínio com extrema violência tem a sua pena acrescida por tortura. É como se condenar alguém por esse crime fosse proibido, ou ela não existisse em nosso dicionário.

Nos portais e redes sociais ela nunca é citada por quem a defende. Ninguém, referindo-se a um suspeito, escreve ou afirma “tem de torturar esse cara”. Para que fique tudo mais íntimo e corriqueiro, banalizado, usam-se expressões como “tá precisando é de couro”, “se fosse meu filho, dava uma de criar bicho”, “comida de preso é paulada”, “pendura que ele canta”, “tinha que cortar na borracha” e outras do gênero.

A presidenta Dilma Roussef lançou, no último 12 de dezembro, o Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que prevê a instalação de um mecanismo autônomo que, por meio de peritos, terá autorização prévia para entrar em penitenciárias, instalações militares, delegacias, instituições de longa permanência de idosos, instituições de tratamento de doenças psíquicas ou similares, para constatar a existência de possíveis violações de direitos humanos nesses locais.

Trata-se de importante iniciativa, considerando-se que o Brasil é signatário da Convenção Internacional Contra a Tortura desde 1989, e que, em 500 anos de história, é a primeira vez que a Nação está encarando, de forma direta, essa abominável questão.

Mas a verdadeira batalha não se dará apenas com a fiscalização do que está ocorrendo nas prisões, que poderia avançar com a instalação de delegacias de direitos humanos em todo o país. Ela será travada nos corações e mentes da população brasileira.

Não podemos nos considerar civilizados enquanto milhares de brasileiros defenderem a execução ilegal e a tortura como método de punição e investigação. Não podemos nos considerar civilizados enquanto juízes estabelecerem jurisprudência atribuindo à vítima de tortura o ônus de provar que foi torturada. Esse paradigma, estabelecido na ideologia escravocrata e repressora de parte considerável de nossa sociedade, só poderá ser alterado a partir do ensino, em todas as escolas, desde o primeiro grau, dos direitos e deveres consubstanciados na Constituição brasileira, atendo-se estritamente ao seu conteúdo, para não dar à direita fascista motivo para combater a iniciativa.

Só quando ensinarmos nossos filhos e netos que o mero ato de um policial espancar um manifestante, em uma situação de protesto – ou manifestantes espancarem um policial desarmado – é ilegal; que extrair dor de outro homem, mulher, criança, indefeso, humilhando-os, transformando-os, pelo medo, em animais -irracionais, que gritam, sangram e choram, segundo a vontade de seu torturador, é crime abjeto e condenável, poderemos começar a mudar, de fato, a mentalidade a propósito da tortura, sua imagem e paradigmas, em nosso país..

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

só não enxerga quem não quer ver ou só vê o que quer enxergar

Fecha Aspas
Igor Fuser dá uma aula sobre Venezuela – e passa pito na Globo, em plena Globo


publicada quarta-feira, 19/02/2014 às 14:48 e atualizada quarta-feira, 19/02/2014 às 15:02


Escrevinhador



“Nunca vi nem na Globo nem nos jornais brasileiros uma única notícia positiva sobre a Venezuela. Uma única. Será que em 15 anos de chavismo não aconteceu nada positivo? Cadê o outro lado? Será que os venezuelanos que votaram no Chávez e no Maduro são tão burros, de votar em governo que só faz coisa errada?” (Igor Fuser, professor da UFABC) 



Igor Fuser passou um sabão na Globo...

por Paulo Donizetti de Souza, na Rede Brasil Atual

O professor de Relações Internacionais da USP José Augusto Guillon e a apresentadora Mônica Waldvoguel, do programa Entre Aspas, da Globonews, chegaram ao limite da gagueira, ontem (18), durante debate a respeito da crise na Venezuela com a participação do jornalista Igor Fuser, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). O debate começa dirigido, ao oferecer como gancho para a discussão a figura de Leopoldo Lopez, o líder oposicionista acusado de instigar a violência nos protestos das últimas semanas, e preso ontem.

Diz a narração de abertura: “Ele é acusado de assassinato, vandalismo e de incitar a violência. Mas o verdadeiro crime de Lopez, se podemos chamar isso de crime, foi convocar uma onda de protesto contra o governo de Nicolás Maduro. Protestos seguidos de confrontos que deixaram quatro mortos e dezenas de feridos”. E segue descrevendo que a violência política decorre da imensa crise no país – inflação, falta de produtos nas prateleiras, criminalidade em alta. Ainda no texto de abertura, na voz de Mônica, o governo é acusado de controlar a economia e a Justiça, pressionar a imprensa e lançar milícias chavistas contra dissidentes. E encerra afirmando que Leopoldo Lopez, na linha de frente, reivindica canais de expressão para os venezuelanos, e abrem-se as aspas para Lopez: “Se os meios de expressão calam, que falem as ruas”.

Do início ao fim do debate, com serenidade e domínio sobre o assunto, Igor Fuser leva a apresentadora e o interlocutor às cordas desde o início. Reconhece as dificuldades políticas do presidente Nicolás Maduro e a divisão da sociedade venezuela. Mas corrige os críticos, ao enfatizar que o país vive uma democracia, e opinar que a campanha liderada por Lopez é “golpista”, ao ter como mote a derrubada do governo legitimamente eleito com mandato até 2019.

Fuser informa que em dezembro se cristalizou um processo de diálogo entre governo e oposição, então liderada por Henrique Capriles, derrotado nas duas últimas eleições presidenciais por margem muito pequena de votos. E que a disposição ao diálogo levou a direita mais radical a isolá-lo, permitindo a ascensão de figuras como Leopoldo Lopez. Indagado se não seria legítimo as manifestações da ruas pedirem a saída do governo, como foi no Egito ou está sendo na Ucrânia, o professor da UFABC resume que as manifestações na Ucrânia são conduzidas por nazistas, e no Egito a multidão protestava contra uma ditadura. Lembra que na Venezuela houve quatro eleições nos últimos 15 meses, que o chavismo venceu todas no plano federal, mas que as oposições venceram em cidades e estados importantes, governam normalmente e as instituições funcionam, e que a Constituição é cumprida.

Questionado sobre a legitimidade da Constituição – que teria sido sido aprovada apenas por maioria simples – informou que a Carta, depois de passar pelo Parlamento, foi submetida a referendo popular e aprovada por 80% dos venezuelanos – o que inclui, portanto, mais da metade dos que hoje votam na oposição. E à ironia dos debatedores, de que seria paranoia das esquerdas acusar os Estados Unidos de patrocinar uma suposta tentativa de golpe, esclareceu: os Estados Unidos estiveram por trás de tantos golpes da América Latina – na Guatemala nos anos 1950, no Brasil em 1964, no Chile em 1973, na própria Venezuela em 2002 – que não é nenhum absurdo supor que estejam por trás de mais um. E que também não é absurdo, em nenhum país do mundo, expulsar diplomatas que se reúnem com a oposição como se fossem dela integrantes.

O jornalista desmontou também os argumentos de que o país sofre de ausência de liberdade de expressão. Disse que o governo dispõe, de fato, de jornais, canais de rádio e de televisão importantes, mas que dois terços dos veículos de imprensa da Venezuela são controlados por forças oposicionistas. E que o que existe na Venezuela seria, portanto, a possibilidade de contraponto. E Fuser foi ferino no exemplo dos problemas que a ausência de diversidade nos meios de comunicações causam à qualidade da informação: “Sou jornalista de formação e nunca vi nem na Globo nem nos jornais brasileiros uma única notícia positiva sobre a Venezuela. Uma única. A gente pode ter a opinião que a gente quiser sobre a Venezuela, é um país muito complicado. Agora, será que em 15 anos de chavismo naõ aconteceu nada positivo? Eu nunca vi. Não é possível que só mostrem o que é supostamente ruim. Cadê o outro lado? Será que os venezuelanos que votaram no Chávez e no Maduro são tão burros, de votar em governo que só faz coisa errada?”

Vale a pena assistir aos 26 minutos de programa. Essa crítica à Globo em plena Globo está nos dois minutos finais.
E fecha aspas! Fecha aspas!




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16 milhões de trabalhadores brasileiros escravizados que o carapááálida não enxerga porque não quer ver


Quem vê cubanos como escravos nunca se indignou com escravos de verdade



Leonardo Sakamoto


Do caso da fazenda Vale do Rio Cristalino, no Sul do Pará, que pertencia à Volkswagen, entre as décadas de 70 e 80, até a responsabilização da OAS por conta do resgate de trabalhadores em obras de ampliação do aeroporto internacional de São Paulo no passado, respeitáveis corporações foram envolvidas em denúncias relacionadas a esse crime.

Contudo, alguns dos paladinos da Justiça que agora erguem a voz contra a “escravidão'' de médicos cubanos nunca abriram a boca para dar um pio sequer de solidariedade nesses casos supracitados.

E sabe por quê? Por que não dão e nunca deram a mínima se um trabalhador escravizado vive ou morre, nos campos ou nas cidades. Querem apenas ganhar sua guerra ideológica e política particular usando as ferramentas que têm em mãos, dobrando a lei para se necessário.

Mais de 45 mil pessoas foram libertadas desde 1995 pelo governo e um número maior do que isso permaneceu nessas condições. Muitos dos que “descobriram'' a escravidão contemporânea agora irão “esquecer'' logo que o argumento não lhes for mais útil.

Ou seja, se for para atacar Cuba e, com isso, constranger o governo brasileiro vale a pena batizar qualquer coisa de trabalho escravo. Criam-se os maiores malabarismos a fim de explicar que aquilo pode se enquadrar nessa forma de exploração. Mas alguém duvida que, quando todo esse furdúnculo desaparecer, se tentarmos ampliar o conceito para beneficiar o trabalhador brasileiro com a mesma facilidade com que agora fazem, iremos ouvir que não é bem assim que as coisas funcionam?

Por exemplo, quando o ministro Joaquim Barbosa usou a teoria do domínio do fato na condenação dos envolvidos no escândalo do mensalão, houve quem avaliasse que ela poderia ser usada na responsabilização de donos de empresas que se beneficiaram de trabalho análogo ao de escravo. Afinal de contas, não importa se eles sabiam ou não. Eles deveriam saber. Mas aí veio a turma do deixa disso, informando que a ideia só valeria para a ação penal 470 mesmo. Afinal de contas, garantia da qualidade de vida dos trabalhadores do país é assunto secundário na República.

O ponto é que, nessa discussão, em verdade, Cuba não importa. Afinal, isso é uma briga entre governo, oposição e os mensageiros de ambos para ver quem vence uma guerra fria. Porque ganha-se dinheiro tanto com a ditadura cubana quanto com a chinesa. Se eles, nesse processo, se matassem de tanto gritar uns com os outros, menos mal. Tava nem aí. Contudo, é uma pena que, no caminho, criem problemas para uma política de Estado, que perpassou governos, criada por Fernando Henrique, aprimorada com Lula, mantida por Dilma. Porque ampliar loucamente o conceito significa jogar os esforços do combate à escravidão no lixo. Se tudo é escravo, nada tende a ser.

Ou, façamos um combinado: bora ampliar o conceito e considerar os médicos cubanos como escravos!

Mas quero um compromisso de que assim que o último for “libertado'', passaremos a resgatar pelo menos uns 16 milhões de trabalhadores brasileiros em fazendas, indústrias, comércio e serviços, incluindo empresas de comunicação, que estariam no escopo de uma alargamento do conceito do que seja escravidão contemporânea. Ou seja, o problema sairia da casa de dezenas de milhares para 8% do país – em estimativas conservadores de juízes e procuradores ouvidos por este blog.

Também quero o compromisso de aprovar leis que estão bloqueadas no Congresso – e ajudariam a combater esse crime – pelos mesmos parlamentares que, agora, se fantasiam de Joaquim Nabuco. Como a proposta de emenda constitucional 57A/1999, que prevê o confisco de propriedades em que esse crime for encontrado. Ou a lei que cassa o CNPJ de quem usar escravos no país. E aproveitem e coloquem mais recursos nas rubricas de fiscalização e prevenção, porque elas desidratam quando chegam na análise de parlamentares.

E, por fim, alguns políticos poderiam parar de receber doações eleitorais de quem utiliza mão de obra análoga à de escravo. Quando defendi meu doutorado sobre o tema, em 2007, a situação já era uma esbórnia, imagina agora.

Um rosário de entidades sociais têm atuado nos últimos anos para não ceder às pressões da bancada ruralista no Congresso Nacional a fim de limitar absurdamente o que significa escravidão. Mas o oposto também tem sido feito, ou seja, evita-se que tudo seja chamado de trabalho escravo.

Tive a oportunidade de ajudar a criar uma das maiores ações coletivas do setor privado no Brasil, reunindo mais de 400 empresas, 30% do PIB, para evitar que essa terrível violação dos direitos humanos contamine a nossa economia e crie problemas para as nossas exportações. Nos últimos nove anos, centenas de empresas foram treinadas para serem capazes de entender o risco do trabalho escravo em suas cadeias de valor e adotarem medidas para mitigá-lo. Ou seja, o empresariado brasileiro já está percebendo e gerenciando esses riscos, evitando a perda de dinheiro.

Mesmo assim, quem afirma que não há evidência, até agora, de que o programa de médicos escraviza à luz de toda legislação brasileira, é chamado de “comunista'', de apoiador do governo ou do regime cubano. Uma besteira sem tamanho.

Comentaristas comuns de internet dizerem isso, vá lá. Grande parte vocifera sem saber o que diz, repetindo mantras. É café com leite. Mas “especialistas'' tentarem dobrar a letra da lei para fazer caber é o ó do borogodó.

Quando o Mais Médicos apareceu, afirmei que uma coisa é a política pública em si, de levar médicos estrangeiros ao interior do Brasil em áreas carentes, que – a meu ver – está correta. Outra, que é muito ruim, foi a ideia equivocada de não pagar a totalidade do salário diretamente ao trabalhador, em um contexto em que muitos se veriam como vítimas de injustiça ao conviver com outros. A Justiça deve receber uma série de ações nesse sentido por parte dos envolvidos e terá que analisa-los sob a luz do tipo de contrato firmado.

Pois ao contrário de outros estrangeiros e brasileiros no programa, o governo federal contratou os serviços do governo cubano que, por sua vez, enviou servidores públicos para a tarefa, como em uma missão humanitária.

Particularmente, acho essa diferenciação na remuneração final o ó e creio que temos que lutar para que isso mude urgentemente, a despeito dos arranjos institucionais entre Brasil e Cuba. Mas a meu ver, até agora, não é trabalho escravo.

Dado que cada procurador do trabalho tem independência funcional, não acho difícil alguém entrar com uma ação por trabalho escravo contra a União – afinal, cada um conta com sua matriz de interpretação da realidade e possui diferentes experiências sobre o tema. Mas acho duro imaginar uma condenação final pelo tema. O que faço aqui é uma análise à luz de quem acompanha o combate ao trabalho escravo. E já criticou, mais de uma vez, atores públicos que tentaram alargar o conceito para além do que está no artigo 149 do Código Penal a fim de punir empresários fiscalizados.

Enfim, alguém gritou fogo no teatro lotado. E muita coisa que não é trabalho escravo vai começar a ser vista como tal. Quem deveria estar com os cabelos em pé são donos de fazendas de gado, siderúrgicas, construtoras, grandes magazines de roupas, usinas de cana…

De repente é até bom isso acontecer. Alguns amigos jornalistas, cuja condição de trabalho também desobedece “artigos da Constituição'', para usar uma expressão de um nobre jurista que alertou para a escravidão cubana, poderiam ser resgatados em suas redações pelo Ministério do Trabalho e Emprego usando um conceito ampliado.

Pessoal, aproveitem! É a sua chance de serem livres!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Quem tiver estômago pode conferir as pérolas dos leitores… nas redes sociais

A batalha da América Latina
Brasil e Venezuela: a guerra da informação


publicada domingo, 16/02/2014 às 21:16 e atualizada segunda-feira, 17/02/2014 às 14:00


Escrevinhador




Carmona e os gorilas em 2002: essa história de golpe na Venezuela é "teoria da conspiração"...

por Rodrigo Vianna

São tristes, preocupantes, mas não chegam a surpreender as cenas de violência e confronto aberto na Venezuela. Nos últimos 6 anos, estive lá cinco vezes – sempre na função de jornalista. Há um clima permanente de conflagração.

As TVs privadas, com amplo apoio das classes médias e altas, tentaram dar um golpe em 2002 contra Hugo Chavez (sobre isso, há umdocumentário excelente – “A Revolução Não Será Televisionada”). Chavez resistiu ao golpe com apoio dos pobres de Caracas – que desceram os morros para apoiá-lo – e de setores legalistas do Exército. Desde então, o chavismo se organizou mais, criou uma rede de TVs públicas para se contrapor ao “terror midiático” (como dizem os chavistas), e se organizou no PSUV (ainda que o Partido Comunista, também chavista, tenha preferido manter sua autonomia organizacional).



Jornais e meios de comunicação jamais tramaram golpes no Brasil com apoio da CIA...


É preciso lembrar que TVs e revistas brasileiras (Globo e Veja) comemoraram o golpe contra Chavez em 2002 – e se deram mal porque ele voltou ao poder 2 dias depois.

Nas ruas de Caracas, ano a ano, só senti o clima piorar. Confronto permanente. Acompanhei na região de Altamira, em Caracas, o ódio da classe média pelos chavistas. Com a câmera ligada, eles não se atrevem a tanto, mas em conversas informais surgiam sempre termos racistas para se referir a Chavez – que tinha feições indígenas, mestiças, num país desde sempre dominado por uma elite (branca) que controlava o petróleo.

O chavismo tinha e tem muitos problemas: dependia excessivamente da figura do “líder”, a gestão do Estado é defeituosa, há problemas concretos (coleta de lixo, segurança etc). Mas mesmo assim o chavismo significou tirar o petróleo das maõs da elite que quebrou o país nos anos 80. Além disso, enfrenta o boicote econômico permanente de uma burguesia que havia se apropriado da PDVSA (a gigante do Petróleo venezuelana).

O chavismo sobreviveu à morte de Chavez. O chavismo, está claro, não é uma “loucura populista” ou uma “invenção castrista” – como querem fazer crer certos comentaristas na imprensa brasileira. O chavismo é o resultado de contradições e lutas concretas do povo venezuelano – lutas que agora seguem sob o comando de Nicolas Maduro, que evidentemente não tem o mesmo carisma do líder original.

Vejo muita gente dizer que o “populismo” chavista quebrou a Venezuela. Esquecem-se que a economia venezuelana cambaleava muito antes de Chavez. Esquecem-se também que o tenente-coronel Hugo Chavez Frias não inventou a multidão nas ruas. A multidão é que inventou Chavez. A multidão precedeu Chavez. Em 89, o governo neoliberal de Andres Perez ameaçou subir as tarifas públicas – seguindo receituário do FMI. O povo foi pra rua, sem nenhuma liderança, no Caracazo (uma rebelião impressionante que tomou as ruas da capital).

O chavismo foi a resposta popular à barbárie liberal, foi uma tentativa de dar forma a essa insatisfação diante do receituário que vinha do Norte. Os responsáveis pela barbárie liberal tentam agora retomar o poder – com apoio dos velhos sócios do Norte. E nada disso surpreende…

O que assusta é o nível dos comentários sobre a Venezuela nos portais de notícia brasileiros.

Há pouco, eu lia uma postagem do “Opera Mundi” (sítio de esquerda, mas hospedado no UOL). Quem tiver estômago pode conferir as pérolas dos leitores… Resumo abaixo algumas delas:

- “A VENEZUELA SERÁ PALCO DA PRIMEIRA GUERRA CIVIL PLANEJADA PARA A TOMADA DO PODER COMUNISTA NA AMÉRICA LATINA.”

- “O chavismo conseguiu levar a Venezuela à falência. Um país sem papel higiênico e muita lambança comunista para limpar.”

- “Aquele pais virou um verdadeiro lixo, podia ser uma potencia de tanto petroleo que tem, mas o socialismo acabou com tudo. O que sobrou foi uma latrina gigante.”

- “Vai morar na Venezuela então , por mim os venezuelanos tem que matar o maduro.”

- “É fácil quando a eleição é manipulada. Maduro ganhou pq roubou a eleição como foi comprovado.”

Envenenados pela “Veja”, “Globo” e seus colunistas amestrados, esses leitores são incapazes de pensar por conta própria. Repetem chavões anticomunistas, e seriam capazes de implorar pela invasão da Venezuela pelos EUA.

Desconhecem a história da Venezuela pré-Chavez… Não sabem o que é a luta pela integração da América Latina – diariamente combatida pelos Estados Unidos.

Se Maduro sofrer um golpe, se os marines desembarcarem em Caracas, muitos brasileiros vão aplaudir e comemorar. Não são ricos, não são da “elite”. São pobres. Miseráveis, na verdade. Indigentes em formação. Vítimas da maior máquina de desinformação montada no Brasil: o consórcio midiático (Globo/Veja/Folha e sócios minoritários) que Dilma pretende enfrentar na base do “controle remoto”.

A América Latina pode virar, nos próximos anos, mais um laboratório das técnicas de ocupação imperialista adotadas no século XXI. Terror midiático, ataques generalizados à “política”, acompanhados de ações concretas de boicote e medo – sempre que isso for necessário.

Não é à toa que movimentos “anarquistas” e “contra o poder” tenham se espalhado justamente pelos países que de alguma forma se opõem aos interesses dos Estados Unidos.

O imperialismo não explica, claro, todos os problemas de Venezuela, Brasil, Argentina. Temos nossas mazelas, nossa história de desigualdade e iniquidade. Mas o imperialismo explica sim as seguidas tentativas de bloquear o desenvolvimento independente de nossos países.

A morte de Vargas no Brasil em 1954, a derrubada de Jacobo Arbenz na Guatemala no mesmo ano, e depois a sequência de golpes no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile (anos 60 e 70) são exemplos desse bloqueio permanente. Não é “teoria conspiratória”. É a História, comprovada pelos documentos que mostram envolvimento direto da CIA e da Casa Branca nos golpes.

A Venezuela não precisou de golpes. Porque tinha uma elite absolutamente domesticada. Com Chavez, essa história mudou. A vitória de Chavez foi o começo da “virada” na América do Sul.

Os Estados Unidos e seus sócios locais empreendem agora um violento contra-ataque. Na Venezuela, trava-se nas ruas um combate tão importante quanto o que se vai travar nas urnas brasileiras em outubro. Duas batalhas da mesma guerra. E pelo que vemos e lemos por aí, o terror midiático fez seu trabalho de forma eficiente: há milhares de latino-americanos dispostos a trabalhar a favor da “reocupação”, da “recolonização” de nossos países.

Por isso, essa é uma guerra que se trava nas ruas, nas urnas e também nos meio de Comunicação. Uma guerra pelo poder nunca deixa de ser também uma guerra pelos símbolos, uma guerra pela narrativa e pela informação.



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Poder-se-ia esperar em 2014 uma politização do debate, mas...

Economia
Binômio crescimento com distribuição de renda em processo de exaustão


publicada terça-feira, 18/02/2014 às 10:34 e atualizada terça-feira, 18/02/2014 às 10:29


Escrevinhador

Por Guilherme Delgado, em Correio da Cidadania

Uma análise em perspectiva projeta-se normalmente além do futuro imediato, mesmo quando focaliza o que está mais próximo. Neste sentido, pretendo aqui tratar o ano de 2014 sob dois enfoques que, simultaneamente, o alcançam: a) as peculiaridades conjunturais do ano eleitoral e esportivo que deverá ser, por um lado; e b) a continuidade de um período de ‘ajuste’ estrutural da economia brasileira às situações críticas dela própria e de sua relação com a economia mundial, também em crise.

A conjuntura imediata é de festa, propaganda e eventos que, para serem produzidos e frequentados, têm repercussões econômicas sobre produção e emprego. Houve muito investimento urbano, não apenas em estádios, mas também em infraestrutura de mobilidade urbana, que certamente não se faria agora, ou na magnitude do que está ou deverá ser concluído até a Copa do Mundo.

O mesmo argumento é válido para a conclusão das obras de significado eleitoral, que a União, os estados e municípios realizarão, pretensamente para concluí-las antes do mês de outubro. Esse casamento operoso – esportivo e eleitoral – tem impacto conjuntural sobre o emprego, principalmente no setor de Serviços, que certamente ajudará a manter o crescimento da economia próximo da meta de 3,8%, que é o dado oficial aprovado referencialmente pelo Orçamento Fiscal e da Seguridade Social para 2014.

Por outro lado, se pensarmos que esses mesmos eventos esportivos e eleitorais colocam as massas nas ruas e nas urnas, e que há expectativas e inquietações no ar sobre os rumos da política, da sociedade e da economia, certamente precisaríamos dar muito mais atenção aos fatores estruturais, que ora constrangem o desenvolvimento brasileiro.

O binômio crescimento com distribuição de renda, ancorado externamente na especialização primário-exportadora dos setores produtores de ‘commodities’, e internamente nos mecanismos institucionais de distribuição da política social, revela-se em processo de exaustão nos dois pilares principais: 1) pela reversão cíclica do ‘boom’ de preços das commodities agrícolas e minerais, que garantiram por algum tempo folgada solvência externa; 2) pela exaustão do efeito virtuoso de distribuição de renda e crescimento econômico, impactado pela elevação do consumo de bens-salário que a política social promove.

Essa exaustão, diga-se de passagem, não é do argumento distributivo, que precisaria ser aprofundado. Mas manifesta os vícios do modelo macroeconômico geral, que induz crescentes vazamentos de gastos de consumo básico para as importações, elevando a dependência externa.

Em tais condições de distorção das relações internacionais, tanto o crescimento econômico quanto a distribuição de renda provocam vazamentos importantes para o exterior, porque ambos estão colados numa forma de especialização no comércio externo ultradependente de vantagens comparativas naturais. Tal inserção prescinde e expulsa a indústria manufatureira das exportações, mas não das importações.

Poder-se-ia esperar em 2014 uma politização do debate sobre desenvolvimento, com o que politicamente poderíamos tratar das reformas necessárias ao equacionamento do trinômio – crescimento, distribuição e dependência externa. Essa equação nunca se dá espontaneamente pela dinâmica dos mercados, muito ao contrário. Ela não está assegurada sem ser politizada e, para tal, requer sujeitos históricos com capacidade de vocalizá-la.

Mas, infelizmente, no debate político econômico atual, temos muita vocalização conservadora augurando a estagnação econômica e o final do experimento distributivo como mecanismos de “ajuste” à dependência externa. E do lado oficial, uma tentativa de “fazer mais do mesmo”, sem capacidade para fazer uma crítica da situação do subdesenvolvimento, relançada no último decênio.

Algo novo precisa acontecer em 2014 para superarmos essa dialética perversa, que interdita uma perspectiva de futuro, diferente da mera repetição do passado recente.


* Doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.



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