quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Morre um revolucionário


Aos 95 anos, morre Nelson Mandela, ícone do fim do apartheid na África do Sul


SUL 21





Nelson Mandela: “Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra” | Foto: news.com.au

Do Opera Mundi

“Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”.

Nelson Rolihlahla Mandela (nome de batismo Rolihlahla Dalibhunga Mandela) faleceu nesta quinta-feira (5), aos 95 anos. A morte foi anunciada pelo presidente da África do Sul, Jacob Zuma. As palavras acima foram ditas em 1964, durante seu julgamento. Em junho daquele ano, ele seria condenado à prisão perpétua. Enviado para a prisão da Ilha Robben, Mandela passou a ocupar a cela de número 466/64, cujas dimensões eram de 2,5 por 2,1 metros, e uma pequena janela de 30 cm. Viveu ali por 27 anos.

O prolongado período de cárcere ao qual Mandela foi submetido era uma manifestação direta do brutal regime segregacionista do apartheid imposto pelos sucessivos governos do Partido Nacional na África do Sul. De 1948 a 1994, ano das primeiras eleições livres no país – conquistadas pelo líder popular –, os direitos da grande maioria dos habitantes eram cerceados pelo governo, formado pela minoria branca. De fato, a segregação racial data do período colonial, mas o apartheid foi introduzido como política oficial no final dos anos 1940.

Com ele tiveram origem os bantustões, pseudoestados de base tribal criados pelo regime para manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fontes de mão-de-obra barata.

Início da vida política



Pouco tempo antes, o jovem Mandela, membro de uma família de nobreza tribal da etnia Xhosa, nascido em uma pequena aldeia do interior, se mudou para capital, Johannesburgo, com 23 anos e começou a atuar na política. Naquele ambiente cosmopolita, em contraste com o cenário rural no qual havia vivido até então, Mandela se formou em advocacia e passou a liderar a resistência não-violenta da Liga da Juventude do CNA (Congresso Nacional Africano).

Na Fort Hare, primeira universidade da África do Sul a ministrar cursos para negros, Mandela fez muitos amigos com quem mais tarde formaria o núcleo de comando da Liga, movimento de resistência ao apartheid que se transformou em partido político a partir de 1994, o CNA.

Na capital, Mandela trabalhou como vigia de uma mina e conheceu Walter Sisulu, ativista político, em 1941. Sobre o encontro Sisulu diria, mais tarde: “Queríamos ser um movimento de massa, e então um dia um líder de massa entrou no meu escritório.”

Alguns anos depois, Mandela se juntou a outro ativista, Oliver Tambo, com quem inaugurou o primeiro escritório advocatício negro do país. Biografias de Mandela analisam que, somente em Johannesburgo, quando já não era mais tratado como um garoto da nobreza tribal, e sim como mais um negro pobre do interior, o jovem percebeu a dimensão do abismo entre brancos e negros. Essa, provavelmente, foi a fagulha determinante para o início da luta contra o racismo.

Em 1951, Mandela é eleito presidente da Liga e no ano seguinte presidente do CNA na província de Transvaal, o que o coloca como vice-presidente nacional da instituição. Em 26 de junho do ano seguinte, é lançada na África do Sul a “Campanha de Desafio”: por todo o país, negros são convidados a usarem os espaços reservados aos brancos – banheiros, escritórios públicos, correios. Ele é condenado, junto a outros 19 companheiros, com base na Lei de Repressão ao Comunismo, a uma pena de nove meses de trabalhos forçados.

Em 8 de abril de 1960, o CNA é banido e Mandela fica preso até o ano seguinte, quando passa para a clandestinidade. Em 1961, ele cria o Umkhonto we Sizwe – “Lança de uma Nação” – também conhecido pela sigla “MK”, braço armado do CNA. O movimento surge em resposta ao Massacre de Sharpville, em 20 de março de 1960, quando 69 negros foram metralhados pelas forças de segurança em um protesto do PAC (Congresso Pan-Africano) contra a Lei do Passe, que obrigava os negros da África do Sul a usarem uma caderneta na qual estava escrito aonde eles poderiam ir.

Segundo Mandela, o treinamento militar seria paralelo ao político, de forma a ficar bem definido que a revolução serviria para tomar o poder, e não para habilitar atiradores. “Nós adotamos a atitude de não violência só até o ponto em que as condições o permitiram. Quando as condições foram contrárias, abandonamos imediatamente a não violência e usamos os métodos ditados pelas condições”, explicou na ocasião. Em 1962, Mandela vai a Londres, onde adquire livros sobre guerra e guerrilha. Ele e Tambo se reúnem com vários políticos e, dali, percorrem diversos países africanos em busca de apoio contra o Apartheid.

As ideias de Mandela passavam pela construção de um exército revolucionário, capaz de conquistar o apoio popular, instalar escolas de doutrinação, coordenação adequada da guerrilha, oportunidades psicológicas das ações etc. Ele retorna ao país de seu périplo internacional após alguns meses, especialmente para relatar aos líderes do CNA e do MK sobre seu aprendizado. Estava com Walter Sisulu quando foram detidos, em 5 de agosto de 1962.

Prisão



Mesmo após ser detido e sentenciado, Mandela é julgado novamente, por acusações ainda mais graves, relacionadas às atividades no exterior. Uma delas era “atuar para promover os objetivos do comunismo”. No julgamento de Rivonia, ele e outros nove líderes sul-africanos são condenados à prisão perpétua.

No decorrer dos 27 anos que ficou preso, Mandela se tornou de tal modo associado à oposição ao apartheid que o clamor “Libertem Nelson Mandela” se tornou o lema das campanhas antiapartheid em vários países.

Durante os anos 1970, ele recusou uma revisão da pena e, em 1985, não aceitou a liberdade condicional em troca de não incentivar a luta armada. Mandela continuou na prisão até fevereiro de 1990, quando a campanha do CNA e a pressão internacional fizeram com que ele fosse libertado em 11 de fevereiro, aos 72 anos, por ordem do presidente Frederik Willem de Klerk.

Centenas de apoiadores o aclamaram na saída, respondendo em júbilo quando ele ergueu o punho fechado no ar, em sinal de vitória. Chegava ao fim o longo cárcere, de mais de 20 anos. A partir dali a história da África do Sul seria outra. “Quando me vi no meio da multidão, alcei o punho direito e estalou um clamor. Não havia podido fazer isso faz 27 anos, e me invadiu uma sensação de alegria e de força”, disse na época. Ele e de Klerk dividiram o Prêmio Nobel da Paz em 1993.

Como presidente do CNA (de julho de 1991 a dezembro de 1997) e primeiro presidente negro da África do Sul (de maio de 1994 a junho de 1999), Mandela comandou a transição de um regime de minoria no comando, para a democracia multirracial da moderna África do Sul.

Para simbolizar os novos tempos adota um novo hino nacional, que mescla o hino do CNA (Nkosi Sikolele Africa – Deus bendiga a África) com o africâner (Die Stein); também uma nova bandeira é criada, unindo os símbolos das duas instituições anteriores: a bandeira oficial dos brancos, em vigor desde 1928 passou a incorporar as cores da bandeira do CNA – plasmando assim a união de todos os povos da nova nação que surgia – aprovados pela nova Constituição interina.

Em julho de 1995, Mandela cria a Comissão da Verdade e Reconciliação sem poderes judicantes, sob presidência do arcebispo Tutu. Tem início um processo doloroso, principalmente para os sul-africanos negros, após décadas de segregação e violência. Quase 20 anos depois, muitas feridas ainda permanecem abertas, alimentadas pela todavia dificultosa integração entre negros e brancos. Apesar da democratização, o racismo e o preconceito sobrevivem na África do Sul.

Mandela não viu em vida seu ideal se concretizar em plenitude, mas foi o fundamental e principal responsável pelo despertar de um povo e a posterior construção de uma nação. “Amandla!” (“Poder!”), gritava Mandiba em Xhosa aos seus seguidores, que respondiam “Awethu!” (“Para o povo!”). Morre um revolucionário.

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