domingo, 29 de setembro de 2013

ditatorial? antidemocrática?

Desmascarando a mídia
Terceiro mandato de Merkel é ditadura?


publicada quinta-feira, 26/09/2013 às 09:11 e atualizada quinta-feira, 26/09/2013 às 09:12


Escrevinhador



por Alexandre Haubrich no Jornalismo B




A análise comparativa, associada à memória, desmascara a falsa imparcialidade do setor midiático dominante. A eleição da chanceler alemã Angela Merkel para o terceiro mandato consecutivo, no último domingo, leva diretamente à lembrança de outros chefes de governo que alcançaram ou flertaram com uma segunda reeleição seguida. A formulação do discurso desse setor da mídia foi absolutamente distinto em um e em outro caso, ainda que sejam situações de grande semelhança real. Essa comparação demonstra, assim, o afastamento que a mídia hegemônica mantém com a realidade objetiva, distorcendo as narrativas de acordo com interesses bastante específicos.

Mesmo sem nunca ser dito – ao menos abertamente – por ele, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi colocado pelos conglomerados midiáticos como postulante a um terceiro mandato logo na sequência dos dois que exerceu. A ideia acabou não se consumando, Dilma Rousseff foi a candidata da situação e a eleita, mas a lição ficou clara: os donos da mídia não aceitariam que um presidente petista, naquele momento, se lançasse a uma nova reeleição. A possibilidade, jamais levantada publicamente por Lula mas mesmo assim tocada pelos meios de comunicação, foi sempre fortemente atacada. Lula foi chamado de candidato a ditador, se disse que ele pretendia “perpetuar-se no poder”, que a democracia brasileira estava “em risco”, que poderia ser um “novo Hugo Chávez”.

Com o ex-presidente venezuelano, aliás, não foi diferente. Chávez sempre foi tachado – em vida e já morto – de “ditador” por uma parte importante da imprensa brasileira. Uma das razões alegadas para classifica-lo assim era – e é – a “perpetuação no poder”, a “vontade de seguir no poder até morrer”, enfim, os mandatos consecutivos (foram três os mandatos que Chávez acabou exercendo).

Com Merkel, tudo diferente. O tom geral é de exaltação de sua popularidade, o destaque sobre como os alemães veem nela uma “mãe”, a importância de sua liderança. Nada sobre um possível caráter “ditatorial” ou “antidemocrático” em sua terceira eleição consecutiva. Talvez por ser ela uma representante típica da direita, por estar levando à frente políticas de arrocho que esmagam os países e os povos vizinhos, sendo inclusive constantemente comparada com Hitler. Ou a amistosidade pode ser ainda por Merkel ser eleita em um país central do capitalismo, típica nação na qual a ideologia dominante em um país periférico como Brasil manda observar e admirar, enquanto a Venezuela, a América Latina em geral – incluindo o próprio Brasil – são lugares dos quais se deve como norma falar mal, os quais devem ser sempre apresentados como “repúblicas das bananas”, dominadas por “ditadores populistas e corruptos”, muito ao contrário da grande e democrática Alemanha, dos Estados Unidos, etc.

O fundo das críticas, como se vê, não se direciona à forma – dois, três ou dez mandatos – mas ao conteúdo. Governantes progressistas não têm sua legitimidade respeitada nem em seus primeiros mandatos. Quando os eleitos agradam ao ideário dos conglomerados de comunicação, são exaltados e brindados, durem quanto durarem. O mesmo se dá em relação a qualquer setor social e a qualquer fato levado à cobertura jornalística. A superficialidade formal pouco importa aos donos da mídia e ao imaginário das organizações que comandam, desde que o conteúdo os faça mais poderosos econômica, ideológica e politicamente.




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sábado, 28 de setembro de 2013

essas cubanas... parecem que estão fazendo sonhar


Navegando no Pará: “Parece que estou sonhando”, diz Maribel, a médica cubana que vai enfrentar o pior IDH do Brasil

publicado em 27 de setembro de 2013 às 5:52


Viomundo





Maribéis chegam ao destino depois de uma longa viagem; Melgaço tem o pior IDH do Brasil





por Dario de Negreiros*, especial para o Viomundo

Pergunta um melgacense às médicas cubanas recém-chegadas à cidade: “Dá pra notar que Melgaço tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil?”. Depois de um breve silêncio, uma delas afirma, como numa forma delicada de lhe responder sem mentir: “Eu nunca tinha visto uma casa de palafita, antes”.

Viemos todos na mesma embarcação – um grande navio de quatro andares que perfaz a rota Belém-Melgaço em cerca de 18 horas –, partindo da foz do rio Amazonas e descendo pelos encontros das águas marítima e fluvial que compõem o Arquipélago do Marajó.

“Quando vínhamos no barco para cá, eu falei: parece que estou sonhando, é como se fosse um filme!”, diz a médica Maribel Morera Saborit, 44. “Nunca imaginei que iria ver o que estava vendo: as casinhas de madeira à beira do rio, as crianças naqueles barquinhos pequenininhos…”.


De barco, crianças pedem esmola aos turistas

Quando nos aproximamos das estações hidroviárias, crianças em pequenas canoas remam até nós para pedir dinheiro, comida, balas ou o que quer que seja. Um deles, sem aparentar mais de 12 anos, olhando-me levava dois dedos à boca, como quem pede um cigarro. “Eu sei que há muita pobreza no mundo, mas não sabia que aqui havia gente vivendo nessas condições”, continua Saborit.

Na chegada, as médicas são recebidas pelo prefeito Adiel Moura (PP) e juntos caminhamos pela região central da cidade, que já se mostra consideravelmente mais pauperizada do que o município vizinho de Curralinho, minha parada anterior. E, lembremos: em 2010, Curralinho registrou o menor PIB per capita do Brasil.

Aqui em Melgaço, as casas, quase todas de madeira, sem porta nem janelas, têm muitas delas aspecto de abandonadas, muito embora bem se veja o movimento de seus moradores.

O pouco asfalto parece mais atrapalhar do que contribuir com o movimento constante das motos, tal seu estado; automóvel, dizem, há na cidade apenas meia dúzia.

Das ruas de terra levanta uma forte poeira, o que contribui para que sejam frequentes, nos períodos mais secos, os males relacionadas às vias respiratórias.

Quase não há iluminação pública.




Muitas das palafitas têm à sua frente pontes de madeira que fazem as vezes de calçada, entrecortadas por instalações precárias de energia elétrica. Por elas, equilibrando-se como se nada houvesse, vemos passar dezenas de crianças a caminho da escola.

À noite, é neste labirinto que tem de caminhar, na escuridão, quem por ali vive. No ano passado, dizem-me diversos moradores desta rua, um contato acidental com este emaranhado de fios de energia – alguns avançam sobre a ponte, obrigando o pedestre ao contorcionismo – matou uma criança eletrocutada.

“Eu tive a possibilidade de ver, na Venezuela, pobreza extrema”, conta a outra Maribel, a Herrera Hernandez. “Lá há as chamadas ‘invasões’, onde as casas são feitas de qualquer coisa: tábuas, papelão. E há os morros, que são como as favelas. Mas também nunca vi nada como isso.”

Vivendo com menos de R$ 140 por mês, 73% dos cerca de 25 mil habitantes de Melgaço podiam ser classificados como pobres em 2010, enquanto 44%, com renda mensal de R$ 70, eram considerados extremamente pobres.



Chicó, o curandeiro

“O remédio mais caro é a babosa com mel de abelha. Cura asma, bronquite, tuberculose, paralisia e câncer”, diz-me seu Chicó, 70, o curandeiro local. “Bom, depende do tipo de câncer”, pondera. “E tem que descascar a babosa, porque a casca é ácida, faz mal.”

Chicó é filho de Teodora – esta, dizem, uma das mais importantes curandeiras que ali existiram. Com ela, aprendeu a receita dos remédios caseiros que até hoje prepara em suas famosas “garrafadas”.

“Minha mãe foi farmacêutica caseira e, quando perdeu a visão, quem fazia os remédios era eu.” Parteira desde os 12 anos, Teodora, diz Chicó, tinha um dom: com sua oração, as mulheres pariam sem sentir dor.

Pergunto a Maria Lina Moraes, esposa de Chicó, se o dito é verdadeiro. “É verdade. Mas eu sou mãe de 16 filhos, então, quando eu achava que estava com o filho no bucho, já estava com o filho no braço.”

Maria Lina conta que seu irmão, o pedreiro Judeu Moraes, foi levado à curandeira Teodora quando despencou de um açaizeiro, caindo em cima do próprio braço. “Ela colocou uma compressa no braço dele, orou e, quando tirou, saiu um monte de pus e sangue. E ele sarou.”

Chicó ainda se lembra da receita: “Pega a minhoca, torra bem torradinha, mistura com farinha, coloca um pano e enrola no braço quebrado. Sara em quatro ou cinco dias.”



O hospital de Melgaço

Judeu Moraes representa bem a mudança de hábitos pela qual passaram os moradores da cidade nas últimas décadas. Pois foi no hospital, e não na casa de algum curandeiro, que o conheci.

Por coincidência, ele trazia em seus braços, justamente, um garoto que havia caído de um açaizeiro. “Eu não tomo esses remédios caseiros”, afirma o cunhado de Chicó.

“Essas coisas de curandeiro eram mais comuns antigamente”, explica Ricardo Fialho, coordenador-geral do movimento Marajó Forte. “Hoje em dia, quando alguém adoece, o povo leva logo para o hospital”.

Não há, atualmente, nenhum médico fixo na cidade. Dois dos três profissionais que aqui trabalham permanecem 15 dias e o outro, 10. Durante 25 dias, todos os meses, a cidade tem apenas um médico, que tenta se revezar em todos os serviços.

“Quando a gente fica sozinho, aqui, é uma loucura”, diz Anselmo Faria Alvarez, 63, em Melgaço desde janeiro.

Nestas ocasiões, Anselmo se divide entre as emergências do hospital, os atendimentos nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e, ainda, as consultas aos pacientes do Caps (Centro de Atenção Psicossocial).

A população, é claro, se queixa. “Falta médico. Você tem que chegar 1h da manhã pra ser atendido às 7h”, diz Lúcio Ferreira da Silva, 60, trabalhador rural.



Por falta de médicos, Ruth viaja com as crianças; o estoque de água é usado para fazer suco de açaí

“A criançada, eu nem levo mais aqui em Melgaço. Levo em médico particular, lá em Portel [cidade vizinha]”, conta a vendedora de açaí Ruth Leia Caldas, 37.

Diferente do que vimos em Curralinho, por aqui os funcionários dos postos de saúde e do hospital não reclamam da falta de materiais básicos, como luvas descartáveis, algodão e medicamentos essenciais.


Sebastião teve de viajar de barco até Macapá, com uma sonda, para fazer uma cirurgia

Neste contexto, a chegada das duas cubanas deve provocar um impacto imediato: a partir de agora, os três médicos contratados pela cidade poderão se dedicar exclusivamente ao hospital, o que lhes permitirá reduzir as filas do ambulatório e passar a realizar cirurgias.

“Inicialmente, vamos passar a fazer pequenas cirurgias: cesarianas, hérnias, cirurgias na parte baixa do abdômen”, afirma Anselmo. “Além disso, a presença de médicos fixos na cidade é muito importante.”

Hoje, quem precisa deste tipo de cirurgia deve tomar a “ambulancha” para a cidade de Breves, numa viagem de pouco menos de uma hora. Isso se não for encaminhado para local ainda mais distante.

Se a cirurgia de Ilário Rocha da Silva, 58, pudesse esperar, provavelmente sua hérnia inguinal teria sido operada em Melgaço.

O mesmo talvez se passasse com Sebastião Santos Medeiros, 69, nascido e criado na zona rural de Melgaço, mas que para fazer uma cirurgia de próstata teve de viajar até Macapá. “A viagem foi muito cansativa porque, ainda por cima, colocaram uma sonda em mim”, relata.



Dr. Anselmo: Dois empregos como médico itinerante

O médico Anselmo não faz segredo sobre o motivo que o trouxe para cá: em Belém, trabalhando contratado pelo governo do Estado, recebia mensalmente cerca de R$ 3 mil por 40 horas semanais.

Trabalhando 15 dias em Melgaço e outros 15 em Gurupá, também na região do Arquipélago do Marajó, multiplica esse salário por dez.

Sendo tais os valores de mercado para esta mão-de-obra na região, ficam os municípios pobres impossibilitados de ampliar o número de médicos com seus próprios orçamentos.

Em julho deste ano, os repasses federais e estaduais recebidos por Melgaço somaram, segundo a secretaria de saúde, R$ 250 mil, valor ao qual se pode acrescentar os cerca de R$ 100 mil de contrapartida do município.

Somados todos os encargos, o custo total de contratação de um médico chega perto dos R$ 36 mil. Ou seja: mesmo que, hipoteticamente, a cidade pudesse gastar toda a verba disponível para saúde apenas com a contratação de médicos, não conseguiria bancar nem dez profissionais.

Para alcançar a ainda baixa média brasileira, de 1,8 médico por mil habitantes, Melgaço teria de contar com 45. Já para se equiparar às médias de países como Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, que possuem entre 3,5 e 4 médicos por habitante, seriam necessários entre 88 e 100.



Mari e Bel ocupam vagas de médicos brasileiros que não quiseram vir

Além das duas cubanas recém-chegadas, Melgaço ainda pretende receber mais três profissionais nas próximas fases do Mais Médicos.

A intenção é ter quatro médicos trabalhando em equipes de saúde da família e um exclusivamente no Caps. “Vai desafogar bastante o hospital”, comemora com antecipação Ivonete Silva, atual diretora da casa.

Segundo a secretária de saúde de Melgaço, Ângela Iketani, a cidade já havia tentado conseguir médicos pelo Provab (Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica), que oferece aos que se disponibilizam para trabalhar fora dos grandes centros urbanos bolsas de R$ 10 mil mensais e 10% de bonificação em exames de residência.

“Nós nos habilitamos, mas não recebemos nenhum profissional: nem enfermeiro, nem odontólogo, nem médicos”, diz.

Depois, na primeira fase do Mais Médicos, aberta apenas aos brasileiros, mais uma vez não houve ninguém que se habilitasse a vir para cá.


As médicas cubanas e o prefeito

Maribel Herrera Hernandez e Maribel Morera Saborit estão na cidade desde a manhã de sábado e já tiveram, no dia da chegada, a homonímia desfeita. “Você é a Mari”, batiza a secretária de assistência social, Socorro Reis, olhando para Saborit. “E você”, diz, apontando Hernandez, “é a Bel. Tem mais cara de Bel”.

Mari e Bel estão instaladas no centro da cidade, onde ocupam um pequeno apartamento com copa-cozinha, um banheiro e dois quartos com ar-condicionado – item essencial na região.

O espaço faz parte de um corredor de apartamentos térreos: logo ao lado moram as secretárias de saúde e assistência social e, em quartos menores, hospedam-se viajantes eventuais.

Paparicadas todo o tempo por prefeito, secretários e funcionários, elas ainda não parecem completamente à vontade – como é de se esperar de quem chega a um lugar completamente desconhecido.

Vejo-as mais soltas, pela primeira vez, durante um churrasco de domingo. O motivo, creio, é menos a cerveja do que o assunto: a revolução cubana.

Maribel, a Mari, é mais falante, extrovertida, expansiva. Mas, quando se trata deste assunto, mesmo Maribel, a Bel, não se contém: “Dario, vou falar em espanhol, traduza para eles, por favor. Não há ditadura, em Cuba. Se Fidel permaneceu tanto tempo no poder, foi porque quisemos, porque votamos nele”, assegura.

“Antes da revolução, era muito pior”, concorda Mari. “Hoje todas as pessoas têm saúde gratuita e de qualidade, todos têm acesso a ensino de qualidade.”

Concedo-me um aparte, saindo por um momento do papel de tradutor e mediador da discussão, quando se debate religião.

Se as conquistas sociais são inquestionáveis e trazem ganhos de liberdade coletiva, digo direcionando-me aos críticos, tampouco se pode negar a existência de restrições de liberdade individual, pondero com elas.

“Realmente, havia restrições de liberdade religiosa”, concedem. “Mas isso foi, principalmente, no início [da revolução]. Hoje, já melhorou bastante”, respondem-me juntas, intercalando-se.

Enfim, para além de qualquer dúvida, resta a gana com que ambas defendem e exaltam seu país. Nisto incluso, evidente, o sistema de saúde cubano.


As médicas cubanas são apresentadas a moradores de Melgaço

Em Cuba, contam, um especialista em medicina da família – ou, como lá se diz, em medicina general integral– costuma viver no mesmo lugar em que clinica. “No térreo, faz-se as consultas, no andar de cima vive o médico e, acima, a enfermeira”, diz Mari.

“Esse consultório, por sua vez, está ligado a uma policlínica, que tem laboratório, pronto-atendimento, raio-X, vacinação, oftalmologia, endoscopia, ultrassom etc. Isso compõe a atenção primária: uma policlínica e vários consultórios médicos.”

“As pessoas têm tudo isso perto delas. E um médico que trabalha no consultório faz plantão na policlínica”, diz Bel.

Isso significaria, então, que em Cuba um médico da família realiza procedimentos que, no Brasil, são reservados a especialistas?

“Sim. Lá, nós tratamos as patologias próprias de especialidades, como oftalmologia, cardiologia, ginecologia. Falamos com um especialista só quando temos alguma dúvida”, confirma Bel. E Mari acrescenta: “Aqui, muitas vezes vamos nos sentir de mãos atadas”.

Em Melgaço, estará no trabalho preventivo o foco de suas atuações. “Aqui, o maior esforço será o de promoção de saúde: mudar hábitos, mudar ideias”, diz Bel.

“Nós temos de construir formas de atuação sobre estes problemas para obter resultados. Sabemos, por exemplo, que aqui as pessoas são muito religiosas. Então, eu já disse: nós vamos falar com os pastores”, afirma Mari. “Nós temos de encontrar essas brechas, descobrir por onde podemos nos colocar.”

Conversando com duas mães que, voluntariamente, deixaram suas casas para morar em uma cidade tão pobre e tão distante, é inevitável que questionemos a dimensão da recompensa financeira que será obtida a partir deste trabalho.

Ficou na bela cidade de Cienfuegos, conhecida como La Perla del Sur, a família de Bel — uma adolescente de 15 anos e um menino de 5, além de seu marido. O marido e os dois filhos de Mari, de 19 e 18 anos, moram na capital Havana.

Por um lado, a recompensa é relevante, dizem-me; mas, por outro, elas garantem que o salário que recebem em Cuba lhes é plenamente satisfatório.

“O salário básico de um médico, em Cuba, é de 573 pesos cubanos (aproximadamente R$ 53). Depois, se você tem mestrado, categoria docente etc., vai subindo”, explica Bel.

“Quando o convertemos em dólares (US$ 24), talvez seja muito pouco – ou pensem vocês que é muito pouco. Mas, para nós, supre todas as nossas necessidades, especialmente se considerarmos como são os preços em Cuba.”



Para tratar a água, Melgaço depende do governo federal

Melgaço já teve aprovados pelo Ministério da Saúde outros dois pleitos relevantes: a construção de mais três UBSs, no valor de R$ 408 mil cada, e a concessão da verba para construção de uma Unidade Básica Fluvial, com custo de R$ 1,6 milhão.

É a respeito das estratégias de captação de novos recursos, capazes de manter funcionando os equipamentos de saúde vindouros, que converso com o prefeito Adiel Moura.

“Nós temos uma horta da prefeitura, que está à disposição de algumas famílias, e temos outros agricultores fazendo abacaxi, maracujá”, conta. “Também tem um pessoal que tá criando peixe. É a prefeitura que entra com toda a infraestrutura, dá os insumos etc.”



Aldrin e os tambaquis: fartura

Para quem visita a horta, as plantações e os tanques de peixe, fica claro se tratar de um trabalho incipiente. Com seus 30 mil tambaquis espalhados por sete tanques, os ganhos do piscicultor da cidade, Aldrin de Souza, oscila, segundo ele, entre R$ 10 mil e R$ 20 mil anuais.

Melgaço tem uma renda per capita de R$135, o que corresponde a apenas 17% da média nacional, de R$ 793,87. Ainda que, individualmente, a renda de Aldrin esteja muito acima da média de seus conterrâneos, ela é evidentemente incapaz de aumentar significativamente a arrecadação do município.

A gestão atual da prefeitura, apesar de já estar em seu segundo mandato, quando questionada sobre alguns dos maiores problemas da cidade tem pouco mais a mostrar do que meros projetos.

Não há, em Melgaço, qualquer tipo de tratamento da água utilizada. Sobre isso, diz o prefeito Adiel, há um projeto, com verba federal, cujas obras têm o início previsto para novembro.

Banheiros com fossas sépticas são, por ali, raridade. Nos seus quase cinco anos de gestão, a prefeitura construiu pouco mais de trinta, numa média de apenas seis banheiros por ano. Detalhe: sequer as fossas foram feitas.

“É muito pouco”, confessa Adiel, que diz pretender chegar à marca de 66 banheiros construídos, com as fossas devidamente instaladas.

Sobre o asfaltamento das ruas de terra, atualmente uma das maiores responsáveis pela poeira causadora de problemas respiratórios, o prefeito afirma que o governo paraense “está sinalizando” com a construção de 3 km de vias asfaltadas. “Mas isso demora a acontecer, né? E é pouco, é pouco.”

Enquanto tais projetos não se concretizam, o programa social mais relevante para Melgaço, sem sombra de dúvidas, é o Bolsa Família.

Segundo a secretária de assistência-social, Socorro Reis, mais de 21 mil dos 25 mil habitantes da cidade já recebem o benefício. “Com o Bolsa Família, o dinheiro começou a circular no município”, diz. “O impacto? O impacto… Deus te livre! É visível. Os comércios cresceram, foi abrindo de tudo: loja de roupa, loja de tudo o que você possa imaginar.”

Apesar da morosidade da administração municipal, nos últimos três anos aconteceram alguns avanços relevantes.

Em 2010 – quando foram colhidos os dados que deram a Melgaço a última colocação no ranking de IDHM brasileiro –, a mortalidade infantil era de 22,4 a cada mil crianças nascidas, 34% maior do que no resto do país. Em 2011, foi reduzida para 18,63 e, em 2012, para 15,52 – 7% a menos do que a média nacional.

Assim como em Curralinho, onde não encontramos qualquer empresa instalada, a prefeitura de Melgaço é também a única empregadora da cidade.

“A gente briga há muito tempo para aumentar o valor dos repasses do governo federal”, diz Ângela, a secretária de saúde. “Mas não adianta vivermos só de repasses. O município tem de ter uma estratégia de arrecadação própria.”

Além das cubanas Mari e Bel, Melgaço terá quatro unidades de saúde a mais – incluindo a unidade fluvial – e tem, ainda, a perspectiva de receber outros três médicos.

Se hoje é só com muito esforço que a prefeitura consegue suprir a demanda existente por materiais essenciais e medicamentos, a ampliação da rede exigirá, obrigatoriamente, o aumento da receita. Sob o risco de ver desperdiçados os investimentos e o baixíssimo índice de desenvolvimento humano, perpetuado.



Mari brinca com um futuro paciente. Foco no trabalho preventivo faz sentido: água consumida em Melgaço não tem tratamento



* O repórter Dario de Negreiros viajou financiado pelos leitores do Viomundo, aos quais agradecemos por nos proporcionar esta série de reportagens. Se você quer ler outras como esta, clique aqui e assine.

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

“sonho de paz para a humanidade”


Mujica critica sociedade capitalista em discurso na Assembleia da ONU


SUL 21





No discurso, que durou 40 minutos, Mujica também elogiou a utopia “de seu tempo”, mencionou sua luta pelo antigo sonho de uma “sociedade libertária e sem classes” e destacou a importância da ONU, que se traduz para ele um “sonho de paz para a humanidade” | Foto: Reprodução

Do Opera Mundi

O presidente do Uruguai, José Mujica, criticou duramente o consumismo durante seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nesta terça-feira (24). “O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”, afirmou.

No discurso, que durou 40 minutos, ele também elogiou a utopia “de seu tempo”, mencionou sua luta pelo antigo sonho de uma “sociedade libertária e sem classes” e destacou a importância da ONU, que se traduz para ele um “sonho de paz para a humanidade”.

Aos jornais uruguaios, Mujica prometeu um “discurso exótico” e fugiu do protocolo ao dizer que “tem angústia pelo futuro” e que nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”. “Sou do Sul (…) e carrego inequivocamente milhões de pessoas pobres na América Latina, carrego as culturas originárias esmagadas, o resto do colonialismo nas Malvinas, os bloqueios inúteis a Cuba, carrego a consequência da vigilância eletrônica, que gera desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios, de lutar por pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, com o dever de lutar pela tolerância”.

A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, ressaltou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. Nossa civilização montou um desafio mentiroso”.

Para o presidente, o atual modelo de civilização “é contra os ciclos naturais, contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.

Paz e guerra

“A cada 2 minutos se gastam dois milhões de dólares em insumos militares. As pesquisas médicas correspondem à quinta parte dos investimentos militares”, criticou o presidente ao sustentar que ainda estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”, defendeu.

Assim, criamos “este processo do qual não podemos sair e causa ódio, fanatismo, desconfiança, novas guerras; eu sei que é fácil poeticamente autocriticarmos. Mas seria possível se firmássemos acordos de política planetária que nos garantam a paz”. Ao invés disso, “bloqueiam os espaços da ONU, que foi criada com um sonho de paz para a humanidade”.

O uruguaio também abordou a debilidade da ONU, que “se burocratiza por falta de poder e autonomia, de reconhecimento e de uma democracia e de um mundo que corresponda à maioria do planeta”.

“Nosso pequeno país tem a maior quantidade de soldados em missões de paz e estamos onde queiram que estejamos, e somos pequenos”. Dizemos com conhecimento de causa, garantiu o mandatário, que “estes sonhos, estes desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais para governar nossa história e superar as ameaças à vida”. Para isso é “preciso entender que os indigentes do mundo não são da África, ou da América Latina e sim de toda humanidade que, globalizada, deve se empenhar no desenvolvimento para a vida”.

“Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico é acima de todas as coisas, impulsionar e multiplicar a vida e entendermos que a espécie somos nós” e concluiu: “a espécie deveria ter um governo para a humanidade que supere o individualismo e crie cabeças políticas”.



*com Vanessa Silva, do Portal Vermelho


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

pura maldade!


Pirando a madame

Posted by eduguim on 26/09/13 • Blog da Cidadania






Passo no Pão de Açúcar da Abílio Soares pra comprar os ingredientes da noite romântica que engendrei.

Depois que os filhos foram viver suas vidas, a patroa, vira e mexe, fica deprimida. É a boa e velha síndrome do ninho vazio.

Meia garrafa de vinho chileno, água mineral com gás, camarões-cinza pré-cozidos, salame à pimenta fatiado, queijo gouda com ervas, bolinhos de bacalhau e tortinha de palmito.

Chego ao caixa e o senhor que me olhava enquanto comprava os camarões, arrisca:

– O senhor não é o Eduardo Guimarães?

Sorrio:

– Ele mesmo…

– Sou seu leitor. Estava lendo seu blog justamente agora…

Aponta a tela do celular para o meu rosto e lá está o Blog. E comenta:

– Estamos mudando a imprensa deste país.

– Espero que sim…

– Você faz um grande trabalho.

– Obrigado, você é muito gentil. Como é seu nome?

– Pedro Taques

Acho que é assim que se escreve…

Vou me despedindo, que já pagara a conta. Pedro me pede uma foto, que tem mais “fãs” que leem o blog em casa…

O empacotador sorridente tira a foto de nós dois abraçados. Outras pessoas ficam olhando, perguntando-se quem seria eu.

É um supermercado de “bacanas”. Caro pra burro. Só fui lá porque, àquela hora, era o único aberto…

Despeço-me do Pedro. Chega o elevador. Uma madame, olhar frio, altivo, mais joias que mulher, entra comigo.

Enquanto descemos, pergunta-me se sou escritor ou jornalista. Fico com a opção mais fácil, jornalista.

– Ah, que bom. Os jornalistas estão fazendo um ótimo trabalho contra esse PT, esse Lula horroroso, essa Dilma…

Sorrio, mudo. Olhando-a nos olhos. Dizer o que, né?

Ela:

– Onde o senhor trabalha.

O meu lado sombrio aflora e não resisto:

– Na Veja.

– Ah, que maravilha!! Adoro o que vocês escrevem contra o PT. Parabéns.

Sinto-me o homem mais perverso daquele elevador e, mais uma vez, não resisto.

– Ah, mas as coisas vão mudar, lá. A senhora sabe, o meu patrão faleceu há algum tempo. Ele é que não gostava do PT. Os herdeiros vão mudar a linha editorial. A Veja vai virar petista. Espere a edição da semana que vem, pra senhora ver…

Pobre madame. O sorriso e a voz desapareceram. Pareceu-me um tanto quanto lívida, inclusive.

A porta do elevar se abre. Sorrio:

– Até mais, senhora.

Não há resposta, só perplexidade. Que aumenta quando me vê entrar no meu carrinho enquanto se dirige ao seu carrão, onde o motorista a espera segurando a porta que dá acesso ao banco de trás.

E eu, feliz da vida com a minha profunda maldade recém-perpetrada.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

tinha mais de 80% de audiência nacional (hoje tem menos de 15%)


Considerações antiplatinadas




Enviado por Miguel do Rosário on 24/09/2013


Porventura algum leitor deve achar que sou obcecado pela Globo. Bem, a culpa d’eu falar tanto da Vênus é dela mesma. Ela tanto fez para obter um monopólio que conseguiu. Uma enorme vaca plantada sozinha no meio da sala. Por mais que eu admire as pinturas nas paredes e a vista da janela, é difícil desviar a atenção daquele bicho estranho ali postado, até porque ele não fica parado. Ele produz toneladas diárias de bosta.

O meu trabalho inclui o de reciclagem. O Cafezinho é um blog, neste sentido, altamente sustentável. Eu leio o jornal O Globo todos os dias como quem espalha estrume regularmente sobre um pomar. É um trabalho duro e estafante, mas necessário à minha própria sobrevivência enquanto cidadão politicamente ativo. Mesmo quando não leio O Globo, o cheiro da bosta chega a meus sentidos, e não me deixa respirar, obrigando-me a me livrar dela, de preferência de uma maneira construtiva ou, para usar a palavra da moda, sustentável. Ou seja, usando o conteúdo do Globo contra ele mesmo, mediante a produção de uma análise crítica da mídia.

Além do mais, enquanto a Globo, ou o Globo (o feminino é para designar o monstro inteiro, o masculino, só o jornal impresso), receber bilhões em verbas públicas, e seu principal ativo ser uma concessão pública, eu o tratarei como se eu também fosse o seu patrocinador. O povo brasileiro é o verdadeiro dono da Rede Globo, visto que ela é uma concessão pública que depende da aprovação do Congresso e da Presidência da República para existir, além dos bilhões que a emissora recebe via publicidade oficial de todos os entes da federação.

Governo federal, governos estaduais, prefeituras, judiciário, legislativo, estatais em todos os níveis. Todas as forças públicas patrocinam a Globo, beneficiada por sua vez por um poder consolidado durante o regime militar. Beneficiada não só por este poder, mas também pela consolidação de um esqueleto legal que a favoreceu.

As grandes empresas privadas, não podemos esquecer, tem forte participação acionária do Estado e/ou recebem pesado financiamento do Estado, e portanto a sua publicidade também é relativamente pública. Quando o governo FHC criou o PROER para salvar os bancos privados, fazendo o Tesouro Nacional injetar nos bancos privados o equivalente a quase 100 bilhões de reais em valores atualizados, o que isso significa? Que até os bancos têm seu lado público, e quando o Itaú patrocina o Jornal Nacional, portanto, podemos considerar que também se trata de nosso dinheiro.

A máxima maior da nossa Constituição, “todo o poder emana do povo”, pode ser convertida facilmente num incontestável slogan de inspiração marxista: “todo capital emana do povo”. Toda a fortuna dos Marinho e toda a infra-estrutura da TV Globo podem ser consideradas, nesta acepção filosófica, como pertencentes ao povo brasileiro.

O Globo é o único jornal da minha cidade que trata de política, de maneira que não há como fugir. No futuro, quando a blogosfera se desenvolver e ampliar a produção de conteúdo próprio, aí sim, poderemos, não exatamente ignorar a grande mídia, mas lhe conferir um desprezo calculado. Isso vai demorar um pouco, talvez, porque a sociedade ainda é atrasada, e o governo, que deveria propor avanços nesta área, reflete o mesmo pensamento conservador, com algumas pitadas próprias de covardia.

Com o fim da ditadura, a democracia renasce frágil. Os partidos de esquerda, a começar pelo PT, eram débeis financeiramente. As duas primeiras pessoas com quem Tancredo Neves se encontra, após sua vitória no colégio eleitoral, são Roberto Marinho e Antônio Carlos Magalhães. Em jantar a três, Tancredo aceita a sugestão de Marinho de nomear ACM ministro das Comunicações. E morre logo em seguida, em circunstâncias até hoje mal explicadas. Aquele jantar com Roberto Marinho provocou-lhe uma indigestão ideológica fatal. O que será que foi servido ali?

Sarney faz um governo altamente comprometido com a Rede Globo, até porque ele passou a controlar a retransmissora local da Globo. A era Sarney é o período por excelência do totalitarismo platinado. O Jornal Nacional tinha mais de 80% de audiência nacional (hoje tem menos de 15%). Um governo frágil, numa democracia bebê, não tinha como medir forças com a Globo. A emissora se aproveitava disso para ampliar seu poder. Sonegação de impostos, ocupação irregular de terrenos, concorrência predatória, bloqueio de qualquer avanço legislativo em favor de pequenas empresas de comunicação, além da montagem de um sistema gigantesco, capilarizado, de chantagem política, atingindo todas as instâncias do Estado.

A chantagem da Globo contra o STF, o seu ridículo endeusamento de Barbosa, e a perseguição mesquinha contra o ministro Ricardo Lewandowski, são a coroação de um longo histórico de mau caratismo antidemocrático.

Em novembro, irei lançar dois livros. Um sobre o mensalão, reunindo os artigos que tenho escrito por aqui, revisados, ampliados, além de alguns textos inéditos; outro sobre a sonegação da Globo, juntando os fatos que descobrimos até o momento e igualmente contendo material exclusivo.

Ambos os livros têm pontos de intersecção, e o principal deles é a participação da Globo. O mensalão foi a cortina de fumaça perfeita para a Globo esconder suas mutretas fiscais. Enquanto satanizava o pobre do Pizzolato, uma homem pacato e honesto, que nunca roubou um pirulito e jamais sonegou impostos, transformando-o numa espécie de vampiro, impedindo-o de dar uma volta tranquila na rua, a Globo praticava fraudes fiscais bilionárias, como aquela flagrada por órgãos de inteligência internacionais, que ela praticou nas Ilhas Virgens Britânicas.

Depois de torturar medievalmente cidadãos brasileiros, praticando a infâmia indescritível que é sujar a honra de pessoas inocentes, os colunistas da Globo, como faz Luiz Garcia, ainda hoje brandem o discurso da “impunidade”.

“Falta aquela indispensável consequência, dos atos criminosos: o castigo. Ou seja, a cadeia”, afirma graciosamente Garcia em sua coluna de hoje.

É como um bispo da inquisição que depois de esquecer um pobre diabo preso por dez anos numa masmorra infecta diz a seus colegas que eles deveriam aplicar, finalmente, um castigo decente, alguma coisa como esquartejamento vivo, por exemplo.

Como lutar contra isso?

Usando a cabeça. Lendo.

O nosso trunfo é a verdade. Isso é uma coisa que nem a espionagem americana pode nos roubar, porque não queremos escondê-la, e sim divulgá-la aos quatro ventos. O ponto fraco das forças conservadoras, por sua vez, é sua necessidade de continuar vivendo à sombra, controlando e manipulando as informações.



Se quiser ajudar o Cafezinho nessa empreitada, reserve desde já seus exemplares.





Ficha Técnica:
Título: O Supremo Mentirão
Crônicas investigativas
275 páginas
Tamanho: 15,8 cm X 22,5 cm


(Observação sobre a capa. Tenho admiração pelo ministro Teori Zavascki. Não queria exibir uma foto negativa do STF, porque a culpa pelos erros não é da instituição, mas de alguns ministros, e sobretudo do ambiente carregado em que trabalharam. )




Ficha Técnica:
Título: Globogate: a história de uma sonegação bilionária
Crônicas investigativas
235 páginas
Tamanho: 15,8 cm X 22,5 cm

o carapááálida gosta de criar um ambiente contrário à transparência e ao diálogo


Siemens insinua que Alckmin “acoberta” corrupção

Posted by eduguim on 25/09/13 • Blog da Cidadania





Enquanto as atenções se concentram no vai-não-vai do julgamento do mensalão e nas crescentes evidências de que o escândalo contra o PT vem sendo tratado com dureza incomum pela mídia nacional, pela Procuradoria Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal, outro escândalo, de dimensões bilionárias e repleto de evidências contra políticos, vai passando batido.

Chegam a bilhões de reais as somas envolvidas em um esquema de corrupção que tornou o transporte público metroviário em São Paulo uma tortura diária para milhões de paulistanos que penam diariamente nos vagões do pior sistema de metrô do mundo em termos de superlotação.

Para que se tenha uma ideia, a pequena rede metroviária paulistana (74,2 km2) transporta até 11 passageiros por metro quadro enquanto a recomendação internacional é de que não passem de 6. Por conta disso, segundo o jornal Folha de São Paulo o metrô paulistano é o mais superlotado do mundo.

Em agosto, a revista IstoÉ denunciou que o escândalo de superfaturamento nas obras do metrô e na aquisição de trens se arrasta desde o governo Mario Covas, passando pelos governos José Serra e Geraldo Alckmin. Porém, as denúncias surgiram em 2008 e, desde então, o governo paulista, responsável pelo setor, não apenas não apurou nada como impediu investigações.

A oposição ao governo Alckmin já pediu cinco CPIs e todas foram barradas por ordem expressa dele.

O escândalo dos trens paulistas envolve empresas como a francesa Alstom e a alemã Siemens, entre outras. Um dos casos mais impressionantes vem de 2009, um ano após as primeiras denúncias do caso Alstom, o que revela a certeza de impunidade dos governos do PSDB paulista.

Trecho de matéria recente da jornalista Conceição Lemes, que vem fazendo um trabalho investigativo sobre esse escândalo de enorme importância, mostra bem a dimensão da roubalheira:

“(…) Em 2009, no governo Serra, o Metrô abriu concorrência para reformar 96 trens das linhas 1 ( Azul) e 3 (Vermelha) em um valor total de R$ 1,75 bilhão. Segundo contratos oficiais, um trem novo custava R$ 23 milhões e o reformado saía por R$ 17 milhões. Ou seja, os trens reformados teriam um custo final de 86% de um trem novo (…)”

Nesse tempo todo, a “rigorosa” imprensa brasileira jamais deu nome aos bois de forma adequadamente clara, como faz quando o escândalo envolve o PT – com exceção da revista IstoÉ e de sites e blogs na internet.

Contudo, em agosto deste ano, na falta de investigação oficial, a empresa Siemens tomou iniciativa de ir ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) denunciar que seus controles internos detectaram que alguns de seus altos funcionários haviam corrompido o governo paulista.

O mais escandaloso em todo esse caso é que foi preciso que o corruptor se autodenunciasse em troca de um acordo de delação premiada, no qual a Siemens seria poupada de sanções por ter ido ao Cade revelar as transações obscuras em que se envolveu com as gestões do PSDB paulista.

Depois da porta arrombada, em agosto, após a denúncia da Siemens e das matérias na revista IstoÉ, o governo Alckmin, enquanto orientava sua bancada na Assembleia Legislativa a barrar os pedidos da oposição de Comissões Parlamentares de Inquérito, instalou uma “investigação” no âmbito da Corregedoria Geral de São Paulo, que controla.

A Corregedoria do governo Alckmin, porém, vem fazendo um jogo de cena, com a cumplicidade da grande imprensa. Nesse aspecto, o Jornal Nacional, da Rede Globo, apresentou matéria, na última terça-feira, que induz a crer que o próprio governo de São Paulo vem se investigando ao lado da Polícia Federal e do Ministério Público.

Na matéria, o corregedor-geral paulista, Gustavo Úngaro, subordinado ao governo Alckmin, tenta iludir o público afirmando que, “De todas as empresas suspeitas, a única que não está colaborando é a Siemens”, e que “recomendou ao Metrô e à CPTM que iniciassem, imediatamente, processos administrativos contra a empresa para que ela seja proibida de participar de licitações”.

Todavia, a “investigação” que o governo paulista alardeia e que a mídia trata como se fosse séria, não passa de jogo de cena. Equivale a apresentar o governo Lula como o investigador do escândalo do mensalão.

A Siemens, porém, reagiu com dureza à encenação do governo Alckmin. Em nota, explica que não prestou depoimentos à corregedoria tucana porque existe uma obrigação legal de sigilo em seu “acordo de leniência” com o Cade, e que está respeitando determinação que é, também, da Polícia Federal e do Ministério Público.

A nota da Siemens é demolidora. Explica que foi ela mesma que denunciou o caso e que a conduta da corregedoria do governo Alckmin – ou seja, do próprio governador – cria “Um ambiente contrário à transparência e ao diálogo e acaba premiando os que decidem acobertar as más práticas”.

Tanto a Globo como o resto da grande imprensa – sobretudo da imprensa paulista – sabem muito bem que a Siemens não pode dar ao governo tucano as informações que ele quer porque seu acordo com o Cade a obriga a manter tais informações fora do alcance justamente do governo que está sendo investigado, mas que, com uma desfaçatez revoltante, tenta posar de “investigador”.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

as lombrigas, as purulências dos mesmos de sempre...




Tem médico. Mas esta mãe vai voltar com a filha doente, porque o CRM quer

23 de setembro de 2013 | 15:15


Os médicos estrangeiros estão chegando aos seus locais de trabalho.

Mas não podem trabalhar.

Os pacientes estão lá, nas filas, muitos com o filho doente no colo.

Mas não podem ser atendidos.

O Conselho Federal de Medicina finge que cumpre a ordem judicial que obriga à concessão de registro aos “estrangeiros” – boa parte deles, brasileiros, formados no exterior – e os Conselhos Regionais nem fingir, fingem.

Ah, estes médicos não são bons, não têm qualidade.

Quem tem qualidade são as moscas, as lombrigas, as purulências?

Na paupérrima Barras, no Piauí, os doutores cubanos Omar Diaz Barrios e Olivia Rodriguez González estão prontos para trabalhar, mas o CRM piauiense nao lhes deu o registro.

O CRM do Piauí é muito criterioso, tanto que não cassou o registro do médico Marcelo Martins de Moura, que matou cinco pessoas - uma delas uma criança de três anos – dirigindo embriagado sua Hilux e fugiu sem prestar socorro.

Os doutores decidiram que como ele estava dirigindo, não estava trabalhando, não poderia ser punido.

Quem sabe o CRM do Piauí não topa deixar que Omar e Olivia cuidem das pessoas “de folga”, apenas por solidariedade humana?

Talvez daqui a três dias ou uma semana os senhores concedam o registro determinado pela Justiça. Sabem que terão de fazê-lo e procrastinam para sabotar o programa.

Enquanto isso, Anatacha Sousa Oliveira, que levou sua filha Kaukane de Sousa Oliveira,de sete meses, ao Centro de Saúde de Barras e voltou sem atendimento para casa, com um bebê tossindo e febril, fica esperando.

Infelizmente, ela não pode fazer mais que exibir sua angústia e abandono. Porque ela é quase uma criança, tão frágil, impotente e desvalida que nem mesmo pode fazer o que uma mãe faria com quem impede seu filho de ser atendido na doença.

Por: Fernando Brito

Coisas simples e escandalosas


A epifania de Ives Gandra versus o “embromation” do Reinaldão

Posted by eduguim on 23/09/13 • Blog da Cidadania




“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”

(João 8.32)



Eis que a verdade liberta mais um cristão. E não qualquer cristão, mas um cristão militante.

O jurista Ives Gandra Martins, 78, além dos seus 56 anos de advocacia, dos livros e mais livros publicados, muitos em parceria com ministros do STF, e de ser professor da Universidade Mackenzie, da Escola do Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é um dos primeiros brasileiros a ter ingressado na Opus Dei e seu principal supernumerário no país.

Ives Gandra é insuspeito de ter qualquer tendência esquerdista. Na verdade, é autor de um dos textos mais reacionários e abjetos que já li, dolorosamente intitulado como “Você é branco? Cuide-se!”. Publicado há cerca de quatro anos no “UOL Mais”, pelo seu trecho inicial pode-se concluir seu caráter injusto, hipócrita e preconceituoso:

“Hoje, tenho eu a impressão de que o ‘cidadão comum e branco’ é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se autodeclarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos (…)”

Barbaridade, tchê! E o pior é a conclusão:

“Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios”

Como negros, índios e afrodescendentes ricos oprimem os brancos pobres e ultra cristãos brasileiros, não? Pobre Ives…

Mas, enfim, esse cidadão tão oprimido pelos descendentes de escravos, entre outros déspotas, é um dos mais festejados próceres da ultradireita brasileira. Além de amigo dos supremos juízes do Supremo Tribunal e dos demais labirintos do Poder Judiciário, não por outra razão foi convidado a opinar na televisão quando a maioria do STF começou a sapatear sobre o Direito no segundo semestre do ano passado.

O convite para Ives Gandra “explicar” por que era lícito mandar José Dirceu e outros de seus companheiros petistas para o cárcere sob a teoria do “domínio do fato”, partiu de ninguém mais, ninguém menos do que de Marcelo Tas, um dos mais ativos militantes da direitona verde-amarela, apresentador do programa CQC e expoente do Instituto Millenium, onde costuma fazer dobradinha com Reinaldo Azevedo, o blogueiro pit bull da Veja.

À época, não faltaram elogios do “supernumerário” da Opus Dei ao STF. E, ao ser perguntado por Tas sobre o que estava acontecendo naquele exato momento da entrevista, exatamente enquanto o ministro Celso de Mello explicava como o “domínio do fato” embasava a condenação de José Dirceu, o jurista deu a seguinte declaração:

“Nós vamos ter, a partir dessa decisão do Supremo, um verdadeiro divisor de águas entre um passado em que havia uma certa flexibilidade, uma espécie de tolerância moral, tolerância ética com quem detinha o poder. E, a partir dessa decisão, já não se preocupou mais com aquele princípio do In Dúbio Pro Reo (se eu tiver dúvidas, sempre se vai beneficiar o réu), mas que, acima de tudo isso, está o interesse da pátria, da nação (…)”

Uau! Um novo Brasil surgia, brandindo a espada da Justiça. Essa era a opinião do mesmo homem que, na manhã do último domingo (22), após uma legítima epifania, chegou aos leitores do jornal Folha de São Paulo declarando, entre muito mais, que “José Dirceu foi condenado sem provas” e que “A teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo”.

Antes de prosseguir, disponibilizo ao estupefato leitor, abaixo, vídeo contendo a entrevista completa dada por Ives Gandra a Marcelo Tas em 10 de outubro de 2012, enquanto a quase totalidade dos membros do STF massacrava um partido político e quatro réus filiados àquele partido, contra os quais nunca pesara acusação alguma além das que lhes fez a ditadura militar.



O que se tem que perguntar não a petistas ou a simpatizantes do PT, mas a qualquer cidadão detentor de uma mísera réstia de honestidade intelectual é se, por acaso, uma declaração dessa magnitude contra o julgamento do mensalão, dada por alguém que teria todos os motivos políticos e ideológicos para defender esse julgamento, não tem um peso descomunal em favor dos réus.

Para o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo, não tem. Além de desqualificar a competência jurídica de Ives Gandra do alto de seu “notório saber jurídico”, esse blogueiro diz anormal que os que acreditam no mesmo que o “supernumerário” da Opus Dei vejam na fala deste uma razão a mais para duvidar da Ação Penal 470, vulgo mensalão.

Para Reinaldão, em um texto imenso do qual, além do mais puro “embromation”, não se tira uma explicação aceitável para a mudança de opinião de Ives Gandra além de ele ser um néscio, o histórico deste não torna no mínimo obrigatório ver em sua análise da AP 470 um indício a mais, entre tantos outros, de que o julgamento do mensalão vem sendo, além da mais pura injustiça, uma ameaça ao Estado de Direito.

Por que incluí o Reinaldo Azevedo neste texto? Para mostrar, mais uma vez, como os linchadores de José Dirceu e cia. são caras-de-pau. Como se alguém não soubesse.



MENSALÃO, O JULGAMENTO MEDIEVAL



Não deixe de assistir, também, ao vídeo didático, de 27 minutos e 26 segundos, que acaba de ser postado no YouTube e traz revelações surpreendentes sobre a Ação Penal 470, que tratou do chamado “mensalão”.

Produzido pelos jornalistas Raimundo Rodrigues Pereira e Lia Imanishi, editores da revista Retrato do Brasil, e apresentado pelo escritor Fernando Morais, o vídeo acusa o presidente do STF, Joaquim Barbosa, de ter armado as condenações de alguns réus com “mentiras escandalosas”.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

depois de 10 anos... continua atual


A Bienal do Mercosul. A bienal de um não-lugar




Diário Gauche


“Sem dúvida, o nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser.” (Ludwig Feuerbach in Prefácio da segunda edição de A essência do cristianismo).

Reflitamos um pouco sobre a Bienal do Mercosul, que ora se realiza em Porto Alegre. É um evento muito importante, por isso precisamos avaliar a sua expressão e significado; sem entrar em méritos formalistas ou conteudistas, e muito menos fazer juízo de gosto.

Que mensagens nos traz? Millôr dizia que quem traz mensagens são os Correios, pois bem, que mensagens simbólicas (e essas os Correios jamais trarão) a 4ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul pode nos oferecer. Mercosul?

É em Porto Alegre ou no Mercosul? E Mercosul é uma geografia, um nome próprio de lugar? Não seria Cone Sul? Mercosul, até onde se sabe, tem a ver com mercado, com trocas comerciais de mercadorias e serviços, etc. Então, o que artes visuais e cultura tem a ver com mercado, ou com o nosso desmilinguido Mercado Comum do Cone Sul, apelidado de Mercosul?

Muita coisa, muito mais do que se pensa ou adivinha.

Para além de ser uma criação cultural, a arte é uma dimensão do pensamento do homem sobre si e sobre a natureza. Arte é, sobretudo, reflexão e expressão. Provoca, como diz Hegel, o “nosso juízo”, aguça o nosso sentido crítico, faz enxergar as contradições e até mesmo a essência das coisas, por trás das aparências. A arte é uma pedra de amolar a nossa intuição e a nossa percepção. Através da arte o nosso espírito faz malhação.

Ficamos mais ativos (e menos passivos), mais agudos, mais negativistas (como antítese de positivista), mais afiados em face ao homem, à natureza, aos recortes da vida e à curva do tempo.

Mas será que podemos generalizar? Isso não é histórico, vale em qualquer tempo e lugar? Existe genuinidade e autenticidade nisso tudo? Tudo que se autonomeia “arte” é efetivamente arte? Jean Baudrillard diz que vivemos em um tempo de simulacro e semantização.

Vivemos um tempo de falsificação e disfarce; um tempo de mudança no significado das palavras, dos enunciados e discursos. O excesso de realidade dissolveu o real. O real é um espaço inútil, cassado de realidade. A realidade não é o real, é uma representação do real, cujo objetivo é a produção de verdades (a ideologia). As coisas engoliram seus espelhos. É a morte da ilusão, da imaginação e da criatividade.

Vivemos sob o império da lei do valor – seu ídolo e novo Moloch, a mercadoria. O dinheiro é a mercadoria divinizada do mundo globalitário. O sujeito central é o dinheiro - “a vida do que está morto se movendo em si mesma”, no dizer de Hegel.

Há mais de 50 anos, os estudos de Adorno-Horkheimer sobre o que eles denominaram indústria cultural já apontavam esse fenômeno da instrumentalização da obra de arte pela estrutura mercantil. O mercado – esse ente fantasmagórico, que desde o início do capitalismo tudo transforma, informa, desforma e conforma – adotou a obra de arte como mais um instrumento de realização da mercadoria. A arte esbatida em cálculo frio. A autonomia, condição da obra de arte genuína, perde-se nos desvãos heterônomos da imitação e do fingimento.

Arte inautêntica, teu nome agora é kitsch, cuja função não é mais abrir portas fechadas, mas vagar errante por portas abertas. Sua espontaneidade e frescor estão corrompidos pela nova função social de valor de troca. Consome-se arte como se consome iogurte: com prazo de validade. É entretenimento e distração garantidos – ou o seu dinheiro de volta! Não é assim que os vendedores ambulantes operam o pregão?

A revolução burguesa promoveu o desencantamento do mundo substituindo o mito pela razão e a magia pela ciência. E a arte, até então aprisionada na jaula de ferro das finalidades mitológicas e religiosas, conquista a sua emancipação. Infelizmente uma conquista que não foi definitiva e nem duradoura. Vê-se novamente submetida, agora a uma segunda servidão. O state of the art da arte contemporânea é a reificação rebaixada da mercadoria.

Ao perder sua “aura” (W. Benjamin), se coisifica em objetos seriados, de moda e consumo. É de bom tom associar uma marca comercial, industrial ou financeira à arte e à cultura em geral. É o velho mecenato com roupa nova. Agora, numa situação invertida: outrora, o mecenas promovia a arte, patrocinando o artista; hoje, o mecenas instrumentaliza a “arte” para promover-se a si próprio e a seus produtos mercantis. A obra de arte é uma coisa lateral ao negócio em si. Assim, o mecenato reduz-se a um composto de marketing.

Não raras vezes, recebe incentivos do Estado, através de renúncia ou diferimento fiscal. O Estado arbitra em socializar o custo do financiamento da cultura-arte-mercadoria entre todos os contribuintes, em nome de uma transcendência que não logra mais se realizar. A viagem da realização do capital tem mais paradas hoje do que nunca. Em cada uma dessas paradas, o capital transfigura tudo ao seu redor.

Em novembro de 1967, Guy Debord já alertava que “a cultura tornada integralmente mercadoria deve se tornar mercadoria vedete da sociedade espetacular”; constatou, igualmente, que “a cultura deve desempenhar na segunda metade do século 20 o papel motor no desenvolvimento da economia, equivalente ao do automóvel na primeira metade e ao das ferrovias na segunda metade do século 19”. Para Debord, o “espetáculo” é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: “o mundo que se vê é o seu mundo”.

Não se trata de defender a arte como função pedagógica, como quiseram Platão e Aristóteles, e muito menos de fazer proselitismo por uma perspectiva de arte engajada, como instrumento da revolução mundial, como quiseram os stalinistas, de resto, outro simulacro crivado de ideologia; mas da arte concebida como expressão alegórica e simbólica que parte do velho terreno do instituído para os novos horizontes do instituinte. E o agente dessa viagem ao mundo do novo, ao mundo do admirável, do terrível, do sublime e do espantoso é o artista, que no dizer de Kant é um “animal incomparável”.

O artista autêntico é o visionário do novo e o tradutor do hoje. Seu trabalho de criação é o de transfigurar a realidade para termos acesso a ela. Como lembra Marilena Chaui, o artista “desequilibra o instituído e o estabelecido, descentra formas e palavras, retirando-as do contexto costumeiro para fazer-nos conhecê-las numa outra dimensão, instituinte ou criadora”.

O artista é o inventor criativo de um outro mundo: o mundo das formas e dos volumes, das cores e das massas, dos sons e dos gestos, dos ritmos e das palavras. Esse outro mundo ilusório é o espelho traduzido em rude caligrafia do nosso mundo sensível. Um espelho por vezes quebrado, onde os infinitos fragmentos refletem os enigmas do nosso tempo.

A Bienal de Porto Alegre (esse deveria ser o seu orgulhoso nome) é resultado das veleidades de uma instituição chamada Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, cuja direção toda ela é formada por empresários de diversos ramos de negócios do Sul.

Não é por descuido que o presidente da Fundação seja um banqueiro; ainda que não seja um banqueiro “federal”, apenas um banqueiro “municipal”, como diria Drummond. De qualquer forma, é simbólico que um punhado de negociantes sejam os formuladores de uma exposição dessa natureza e calibre, e de que a denominem de um lugar utópico, um não-lugar, chamado Mercosul, e não Porto Alegre, o que seria mais justo e, sobretudo, mais poético.

Visitando a exposição e verificando a capacidade expressiva dos seus artistas fica-se com uma sensação de hiato entre a exposição em si e seus proponentes da Fundação. Não há convergência, os caminhos acontecem em direções opostas.

Quem sabe a próxima edição da Bienal já ocorra sem o atual nome kitsch, para não dizer “fake”; e que a Fundação Bienal deixe de ser um clube de milionários municipais para universalizar os seus conceitos culturais e artísticos e proceder a um aggiornamento dos seus estatutos.

Afinal, a Bienal ainda não aprendeu nada com a Bienal?


Artigo de Cristóvão Feil, sociólogo e editor do blog Diário Gauche. Este texto foi publicado originalmente no portal Carta Maior, em 24 de outubro de 2003. Pode-se medir o alegado caráter vanguardista da Bienal de Porto Alegre pelo fato de que um artigo - escrito há dez anos - ainda tenha validade e seja atual.

A foto acima foi extraída do vídeo "Invenções Caseiras" que se encontra no portal da Nona Bienal do Mercosul. "Nona" tem a ver com vovó?

MPF


Nova cúpula do MPF põe mídia em alerta e começa intimidação

Posted by eduguim on 21/09/13 • Blog da Cidadania





Chegou ao fim a era Roberto Gurgel/Sandra Cureau na cúpula do Ministério Público Federal. Pode-se dizer, aliás, que foi um fim melancólico. Ao longo dos últimos anos, a própria instituição Ministério Público do Brasil foi sentindo os efeitos de uma postura autocrática e politicamente partidarizada sobretudo do antigo procurador-geral da República.

A posse do novo procurador-geral, Rodrigo Janot, foi prestigiada pela presidente Dilma Rousseff e, ali, foram vistas declarações da chefe do Poder Executivo e do agora chefe do Ministério Público quanto à questão da “interlocução” do MP com outros Poderes, preservada, obviamente, a independência da instituição.

Muitos não entenderam a razão de a marca daquele diálogo ter sido justamente o relacionamento do Ministério Público com “outros Poderes”, mas tudo decorre do clima estabelecido pelo ex-PGR Roberto Gurgel.

Nesse aspecto, foi sintomático o discurso de Janot em sua posse: “Foi um discurso de pacificação, mostrando claramente quais são as funções institucionais e constitucionais do Ministério Público”, disse a senadora Ana Amélia (PP-RS) ao deixar a cerimônia.

“Pacificação”? Sim, pacificação, porque Gurgel estabeleceu uma linha de confronto político-partidário, aliando-se a meios de comunicação e a partidos políticos de oposição, tornando-se uma “estrela”, sobretudo por conta de acusações de endurecimento com alvos do MPF ligados ao PT e ao governo federal e de amaciamento com oposicionistas.

Durante o julgamento do mensalão, ano passado, Gurgel vivia no Jornal Nacional dando declarações insultantes ao partido do governo, como se fosse um mero oposicionista. E, também, foi acusado formalmente de prevaricação por acobertar o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o governador de Goiás, Marconi Perillo.

Não por outra razão, Gurgel foi alvo de críticas, no primeiro semestre, durante debate entre os candidatos a procurador-geral da República. No evento, os quatro subprocuradores-gerais que concorriam à indicação de Dilma reclamaram do “isolamento” dele e defenderam um maior diálogo do Ministério Público Federal com o Congresso Nacional.

Segundo declarações dos então candidatos a PGR Deborah Duprat, Ela Wiecko, Rodrigo Janot e Sandra Cureau, a instituição MPF vive “um momento de hostilidade por parte dos parlamentares, principalmente após a sentença do mensalão”.

Após uma eleição em que 1.200 procuradores da República votaram em um dos candidatos, venceu Rodrigo Janot. E, com ele, segundo suas palavras, teria início um novo relacionamento do MP com os demais poderes. E foi assim que o novo PGR deu seu primeiro passo, na semana que finda, ao dizer que não pedirá a prisão dos réus do julgamento do mensalão antes do fim do processo.

Nos últimos dias, por conta disso, começaram os ataques da mídia. O site da revista Veja “acusou” Janot de ter feito “verdadeira campanha eleitoral” para chegar ao cargo, tendo “contratado assessoria para angariar votos entre procuradores”, e de ter se licenciado do cargo de subprocurador-geral para “dedicar-se à disputa”.

Esse ataque ocorreu na última terça-feira e na sexta, após Janot anunciar que não irá pedir imediatamente a prisão dos réus do mensalão, como querem a mídia e a oposição, sofreu ataque do blogueiro do Grupo Folha (UOL) Josias de Souza, que publicou post dizendo que o novo PGR teve “um péssimo começo”.

Paralelamente, o substituto de Sandra Cureau como vice-procurador-geral-eleitoral, Eugênio Aragão, indicado por Janot, já sofre pressões da mídia por ter negado o registro do partido de Marina Silva caso não apresente as quase 500 mil assinaturas válidas para ser criado.

A mídia vem pressionando a Justiça Eleitoral para que “flexibilize” a lei de modo a que a pré-candidata a presidente possa disputar a sucessão de Dilma, mas Aragão já deu sinais de que não pode fazê-lo sob pena de ter que aceitar que a lei seja “flexibilizada” para todos os partidos que queiram criar, o que é um risco.

Durante a semana que finda, veio a público que outra nova legenda, a exemplo da de Marina Silva, vem fraudando as assinaturas necessárias à criação de partidos. O partido que o sindicalista e deputado Paulo Pereira da Silva, o “Paulinho da Força”, tenta criar, um tal de “Solidariedade”, chegou a falsificar assinatura de chefe de cartório.

A pressão sobre Eugênio Aragão é importante para a mídia oposicionista porque será ele quem fiscalizará as eleições do ano que vem e poderá impor multas, vetar propagandas, enfim, poderá prejudicar muitas candidaturas e, nesse contexto, todos se lembram do desastre Sandra Cureau em 2010, quando atuou como preposta da candidatura José Serra.

Note-se que toda essa pressão sobre a nova cúpula do MP aconteceu em um período de pouquíssimos dias. A mídia está “testando” os estreantes e já promete mover campanha contra eles. Resta saber se vão se deixar intimidar. As informações de que dispõe este Blog é a de que isso não vai ocorrer. Janot e Aragão seriam pessoas da mais alta seriedade.

Apesar dessas informações, porém, todos sabemos do poder de pressão dessa mídia partidarizada que empurra homens públicos para o dilema de cederem aos seus ditames e irem para o céu que habita um Joaquim Barbosa ou para o inferno ao qual ela condenou um Ricardo Lewandowski. Melhor, pois, esperarmos antes de comemorar.

brincaram de mocinho e bandido... agora estão assustando os querubins

"Mensalão": domínio do fato?
Gandra: “não há provas contra Dirceu”; STF criou monstro que assusta a elite


publicada domingo, 22/09/2013 às 22:18 e atualizada domingo, 22/09/2013 às 22:06


Escrevinhador



Gandra avisa: não há provas contra Dirceu

por Rodrigo Vianna

O “domínio do fato” é um monstro. Daqueles que as crianças inventam quando estão acordadas, e que depois voltam para atormentar os sonhos quando as almas infantis mergulham na escuridão da noite.

Foi esse o princípio que serviu para a condenação de José Dirceu. Tratado como “maior escândalo de corrupção da história brasileira” (ôps, mas cadê as privatizações, a compra da reeleição de FHC, o caso Siemens, PC Farias etc e tal??), o “Mensalão” tinha um chefe, precisava ter um chefe: José Dirceu! Não havia provas. Mas havia um chefe. Precisava haver. Essa foi a história contada durante quase 8 anos…

Alguém sabe explicar qual o fato concreto, qual o crime cometido por Dirceu? Objetivamente? Ah, ele comandava o PT… É isso, claro. Fica claro que Dirceu precisa ser esquartejado publicamente porque o objetivo é esquartejar o PT.

Só que o monstro agora voltou, e passou a amedrontar as crianças mais ajuizadas. Mesmo elas, estão com medo. As crianças que pensam não estão vestindo roupa preta feito as senhoras globais. Não. O monstro é feio. “Eu tenho medo!” Dessa vez quem grita não é a Regina Duarte, nem as outras senhoras udenistas do Projac. Quem avisa é Ives Gandra Martins – jurista conservador, e que a vida inteira andou do lado oposto ao do PT nos embates políticos. Vejamos o que ele disse, com todas as letras, para a Monica Bergamo na “Folha“:


“Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.

- Por quê?

Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela -e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental.Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo” [a dúvida favorece o réu].

- Houve uma mudança nesse julgamento?

O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão].”

Os grifos são do Escrevinhador. Reparem na primeira frase grifada: ”Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental.” Aí está a explicação para a entrevista do jurista conservador: o princípio que serviu para condenar Dirceu serve também para condenar executivos de grandes empresas onde ocorram fraudes.

O monstro – criado por ministros vaidosos e descontrolados, embalado pelos mervais e pelos blogueiros de longas carreiras na ‘Veja’ – voltou para atormentar a elite brasileira.

Já falei sobre isso aqui dezenas de vezes: Dirceu está sendo condenado pelos seu méritos. Dirceu foi transformado em vilão porque os adversários sabem que ele comandou a virada do PT nos anos 90. Dirceu operou a mudança política que permitiu a Lula deixar de ser o “candidato marcado para perder”. Dirceu comandou a mudança. Tinha e tem um projeto de poder para o PT. Um projeto que, em que pesem os vários erros que podem e devem ser apontados, conduziu o Brasil a novo patamar: baixo desemprego, redução das desigualdades, 20 milhões de pessoas fora da linha de miséria, política externa independente. Tudo isso é imperdoável! Para os tucanos e seus aliados midiáticos.

O PT cometeu erros, usou caixa dois – sim. E por isso deve responder. Não enfrentou a questão de frente, tentou sair pela tangente, e por isso paga um preço alto. Mas querer definir o “Mensalão” como ”maior escândalo da história” é um exagero sem fim. Pior: nos autos, não há prova de uso de dinheiro público (a história da Visanet não para em pé); e muito menos há provas de que Dirceu teria comandado qualquer esquema de desvio de dinheiro público. Não é um blogueiro qualquer falando, mas o professor Gandra: “Não há provas contra ele.”

Tudo isso seria apenas ridículo. Mas transformou-se numa ação perigosa para a Democracia, na medida em que a máquina judiciária foi capturada por aqueles que tentaram embalar essa história mal contada. O STF virou instrumento de ministros autoritários e vaidosos. Descontrolados em muitos momentos. Os menos afoitos, feito Lewandovski, foram tratados como “monstros a serviço do lulopetismo”… Sobre Lewandovski, vejam o que diz o conservador Ives Gandra: “foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.”

A coragem de ter enfrentado o que? Ora, sabemos bem: a pressão midiática dos mervais, dos ex-cineastas e dos blogueiros de longas carreiras – tresloucados, abrutalhados, desembestados todos eles em bucas de um troféu que seria (ou será?) a prisão de Dirceu. O que temos agora é uma espécie de “empate”. Dirceu teve a imagem pública dilacerada, mas resiste. E o outro lado não teve a vitória que esperava.

Mais ainda: quem tem a cabeça no lugar, no mundo jurídico e fora dele, sabe que isso tudo tem volta. Gandra deu a senha: parem com essa brincadeira! O “domínio do fato” pode voltar para atormentar executivos de grandes empresas (clientela seleta do simpático professor Gandra, um tributarista muito bem sucedido). Mas pode voltar também feito assombração para puxar o pé de lideranças políticas da oposição – que governaram seus estados feito feudos nas últimas décadas (Siemens, radios arco-iris – quem tem o domínio do fato?). E pode voltar para atormentar empresários de comunicação sonegadores. Eles reclamam de recursos como os embargos infringentes. Mas recorrem sempre. Só que sonegam impostos e informação.

Há pouco mais de um mês, aliás, a Globo piscou – reconhecendo que foi um ”erro” ter apoiado a ditadura. Agora, a elite conservadora também piscou: o professor Gandra é o porta-voz, a manifestar o mal-estar que se avoluma. A diferença é que o velho jurista age agora por princípio, enquanto a Globo agiu com oportunismo típico.

Os monstros amedrontam quem pensou que podia brincar de assustar o Brasil, e que a brincadeira serviria só pra botar Dirceu na cadeia. Não. Subjuristas beiçudos e subcolunistas pretensiosos levaram a brincadeira longe demais. E por que? “Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo“, explica Gandra.

Precisa desenhar?




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sábado, 21 de setembro de 2013

não a explicação, mas a revelação da verdade


Revolução Farroupilha, 1844, Batalha de Porongos


SUL 21



Depois de lutarem, durante dez anos, não por dinheiro ou impostos, mas pela liberdade, no dia 14 de novembro de 1844 foram miseravelmente traídos no mais vergonhoso episódio dessa guerra, conhecido como “O Massacre de Porongos”. Desarmados, por seu comandante Canabarro, esses homens foram traiçoeiramente entregues a sanha historicamente genocida de Caxias.



Lanceiro Negro | Quadro de Juan Manuel Blanes


Batalha de Porongos: covardia, traição, falsidade

A Revolução Farroupilha foi a mais longa revolta republicana contra o Império escravocrata e centralizador brasileiro. Os grandes e poderosos proprietários de terras gaúchos, sentindo-se desfavorecidos pelas leis federais, principalmente pelos impostos considerados excessivos, entram em negociações com o governo regencial. Tais negociações, consideradas insatisfatórias, criam um crescente estado de tensão até o rompimento definitivo e a declaração de guerra, em 20 de setembro de 1835.

Depois do combate travado em Bagé, conhecido como “a Batalha do Seival”, em que as forças imperiais foram surpreendente e rotundamente derrotadas, surge um movimento político dissidente e separatista. Com sua radicalização é proclamada a independência e criada a República Rio-Grandense frente ao Império do Brasil, propondo uma República Federativa às demais províncias que viessem a separar-se do Império e assumissem a forma republicana.

Para lutar por “um país independente” foi necessário juntar as tropas dos generais que aderiram à causa e assim foi formado o “exército farroupilha” liderado pelo Gen. Bento Gonçalves. Na verdade, os verdadeiros protagonistas dessa luta foram os negros, os índios, os mestiços e os brancos pobres que lutaram de forma abnegada pela recém criada República e por espaços de liberdade, buscando um futuro melhor para si e para os seus. Entre os generais está um abolicionista convicto, Antônio de Souza Netto, que não só coloca a libertação dos escravos como um dos “ideais farroupilha” como propõe a participação dos negros na luta dos farrapos. Num primeiro momento a idéia é rejeitada. Porém, em 4 de outubro de 1836”, depois da “Derrota de Fanfa”, em que Bento Gonçalves foi preso e o exército farroupilha teve excessivas baixas, eles não vacilaram em libertar os escravos que, em troca, se engajaram no exército farroupilha. Assim foi criada a unidade militar que ficou conhecida como os Lanceiros Negros.

Nesse corpo de Lanceiros Negros só havia brancos entre os oficiais superiores. Os negros eram os melhores domadores de cavalos da província. Suas lanças eram maiores do que as ordinárias, os rostos pretos como azeviche. Seus corpos robustos e a sua perfeita disciplina os tornavam o terror dos imperiais. A participação decisiva dos Lanceiros Negros foi ressaltada pelo republicano Giuseppe Garibaldi – “herói dos dois mundos” – em sua biografia escrita por Alexandre Dumas: “soldados de uma disciplina espartana, que com seus rostos de azeviche e coragem inquebrantável, punham verdadeiro terror ao inimigo” ou ainda “…mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, …em cujas fileiras aprendi a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada das nações…” (GARIBALDI,Giuseppe, em FAGUNDES, M. Calvet, História da Revolução Farroupilha. EDUCS.1989.p. 9).

Depois de lutarem, durante dez anos, não por dinheiro ou impostos, mas pela liberdade, no dia 14 de novembro de 1844 foram miseravelmente traídos no mais vergonhoso episódio dessa guerra, conhecido como “O Massacre de Porongos”. Desarmados, por seu comandante Canabarro, esses homens foram traiçoeiramente entregues a sanha historicamente genocida de Caxias.



Duque de Caxias: resolvendo a questão dos negros em armas


A “Traição de Porongos” e o Massacre dos Lanceiros Negros

Como explicar aos brasileiros tamanha covardia e a baixeza moral perpetradas por dois homens, David Canabarro e Duque de Caxias, ambos idolatrados como “heróis” pela historiografia oficial – um deles até considerado “patrono do Exército” – durante a chamada Revolução Farroupilha? Os historiadores oficiais criaram deliberadamente imagens falsas de Porongos procurando não macular “seus” heróis. Entretanto, a hediondez dos acontecimentos só nos permite uma coisa: não a explicação, mas a revelação da verdade, baseada em documentos oficiais que ficaram escondidos por décadas e só agora revelados.

As crescentes dificuldades enfrentadas pela nova República e as disputas políticas na região do Prata, preocupantes para as autoridades do Império, impuseram às duas partes negociações de paz. Uma vitória militar decisiva dos farrapos sobre o exército imperial, comandado pelo então Barão de Caxias, tornara-se cada vez mais inviável. Por parte do Império era importante terminar logo a luta e buscar uma paz negociada, pois tudo indicava a inevitabilidade da luta com os vizinhos platinos. Mas para as duas partes era importante resolver a questão dos negros em armas. Os revoltosos haviam prometido liberdade aos negros que lutavam no exército farroupilha e com isso a Corte Imperial não concordava. Era um perigo para os escravocratas brasileiros um grande número de negros armados. E se eles, agora bastante coesos, procurassem asilo no Uruguai e a partir daí continuassem a guerra com táticas de guerrilhas, fazendo do território uruguaio seu santuário? Isso levaria à guerra e “poderia provocar graves problemas com a Argentina de Juan Rosas” (LEITMAN Spencer, Negros Farrapos: hipocrisia racial no sul do Brasil no séc. XIX e DACANAL José, A Revolução Farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto.1985. p. 72)

Pelo lado dos farrapos, Bento Gonçalves foi afastado da liderança, e os novos líderes, David Canabarro e Antônio Vicente da Fontoura, ambos escravocratas, negociavam a paz com Caxias. A promessa de liberdade para os combatentes negros depois de 10 anos de abnegadas e vitoriosas lutas deles nas batalhas pesava muito nas negociações.



General David Canabarro: acordo

Foi neste contexto que aconteceu, na madrugada de 14 de novembro de 1844, o “Massacre de Porongos” em que os Lanceiros Negros – previamente desarmados por Canabarro e separados do resto das tropas – foram atacados de “surpresa” e dizimados pelas tropas imperiais comandadas pelo Cel. Francisco Pedro de Abreu (o Moringue), através de um conluio entre o barão (mais tarde duque) de Caxias e o gen. Canabarro para se livrarem dos negros em armas e poderem finalmente assinar a Paz de Ponche Verde. “Traição de Porongos, que mais foi a matança de um só lado do que peleja, dispersou a principal força republicana e manifestou morta a rebelião. (…) Em Porongos pois, a revolução expirou. Foi daí que seguiu-se o entabulamento das negociações, que deram tranqüilidade ao Rio Grande do Sul” (ARARIPE, Tristão de Alencar. Guerra civil no Rio Grande Do Sul: memória acompanhada de documentos lida no Instituto Histórico Geográfico do Brasil. Porto Alegre, CORAG, 1986, p.211).

“Caxias confiava no poder do ouro. Com poderes ilimitados e verbas consideráveis para sobrepor-se aos “obstáculos pecuniários” que surgissem ao negociar com os líderes farrapos, ele tentou um acordo com David Canabarro, o principal general farrapo, para terminar a guerra. De comum acordo decidiram destruir parte do exército de Canabarro, exatamente seus contingentes negros, numa batalha pré-arranjada, conhecida como “Surpresa de Porongos” em 14 de Novembro de 1844” (LEITMAN, Spencer. Negros Farrapos …Idem p. 75)

Em suas instruções secretas a Moringue, o comandante da operação, Caxias, orientou-o no sentido de poupar brancos e índios, que poderiam ser úteis para futuras lutas.

Cópia integral dessas “instruções secretas” encontra-se no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e nela está afirmado: Reservado: “Senhor Cel. Francisco Pedro de Abreu (…) Regule V.S. suas marchas de maneira que no dia 14, às duas horas da madrugada possa atacar as forças ao mando de Canabarro que estará neste dia no cerro dos Porongos (…) Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito, poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação justa é das pessoas a quem deve dar escapula, se por casualidade caírem prisioneiros. Não receie a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu general em chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiarem dele. Se Canabarro ou Lucas forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos (…) 9 de novembro de 1844.Barão de Caxias” [AHRS. Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul-Volume 7. Porto Alegre, 1963. P.30/31].





Canabarro cumpriu sua parte no combinado, deu ordem ao quartel-mestre para recolher o cartuchame de infantaria e carregá-lo em cargueiros para serem distribuídos quando aparecesse o inimigo e separou os negros farrapos do resto da tropa. Isolados e desconhecendo a traição de seu comandante, os Lanceiros Negros resistiram bravamente antes de serem liquidados. O “Combate de Porongos” – no qual oitenta, de cada cem mortos, eram negros – abriu caminho para a Paz de Ponche Verde alguns meses depois.

A indignação de Bento Gonçalves com Canabarro é revelada logo após o “combate” de Porongos quando diz que os “caminhos indispensáveis por onde Canabarro tinha de avançar eram tão visíveis que só poderiam ser ignorados por quem não quisesse ver nem ouvir ou por quem quisesse ouvir a traidores, talvez comprados pelo inimigo! (…) Perder batalhas é dos capitães e ninguém pode estar livre disto; mas dirigir uma massa e prepará-la para sofrer uma surpresa semelhante (…) é (…) covardia do homem que assim se conduz”. [Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves da Silva. 1835/1845]

Poucos dias depois, Teixeira Nunes e os Lanceiros Negros remanescentes são enviados por Canabarro para uma ação altamente temerária na retaguarda inimiga (sobre a qual pairam também suspeitas). Atacados por Chico Preto, são aniquilados e seu comandante é ferido e depois assassinado.

Tal como nos dias de hoje em que as autoridades do país escondem seus crimes hediondos, alguns contra a humanidade, amparadas por leis fraudulentamente arrancadas de um congresso corrupto até a alma, como é o caso dos crimes praticados pelas autoridades civil e militar durante o período 64/85, a “Traição de Porongos” permaneceu como um segredo guardado a sete chaves por muitos anos.




Texto não assinado, publicado originalmente pelo CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos