sábado, 30 de março de 2013

“gente boa”, cidadãos “probos” e de “retidão de caráter”


E a banda empresarial que ajudou na repressão e no terrorismo de Estado durante a ditadura 64/85?


Diário Gauche




Os coniventes

O ex-deputado estadual e ex-marido da Dilma, Carlos Araújo, não é um ex-ativista político, pois recentemente voltou à militância partidária no PDT apesar de limitado pela saúde. Quando militava na resistência à ditadura, foi preso, junto com a Dilma, e os dois foram torturados. Depondo diante da Comissão Nacional da Verdade, esta semana, sobre sua experiência, Araújo lembrou a participação de empresários na repressão, muitas vezes assistindo à ou incentivando a tortura. Que eu saiba, foi a primeira vez que um depoente tocou no assunto nebuloso da cumplicidade do empresariado, através da famigerada Operação Bandeirantes, em São Paulo, ou da iniciativa individual, no terrorismo de Estado.

O assunto é nebuloso porque desapareceu no mesmo silêncio conveniente que se seguiu à queda do Collor e a revelação do esquema montado pelo P. C. Farias para canalizar todos os negócios com o governo através da sua firma, à qual alguns dos maiores empresários do país recorreram sem fazer muitas perguntas. A analogia só é falha porque não há comparação entre o empresário que goza vendo tortura ou julga estar salvando a pátria com sua cumplicidade na repressão selvagem e o empresário que quer apenas fazer bons negócios e se submete ao esquema de corrupção vigente. Mas a impunidade é comparável: o Collor foi derrubado, o P. C. Farias foi assassinado, mas nunca se ficou sabendo o nome dos empresários que participaram do esquema. Nunca se fez a CPI, não dos corruptos, mas dos corruptores, como cansou, literalmente, de pedir o senador Pedro Simon. No caso da repressão, talvez se chegue à punição ou, no mínimo, à identificação, de militares torturadores, mas o papel da Oban e da Fiesp e de outros civis coniventes permanecerá esquecido nas brumas do passado, a não ser que a tal Comissão da Verdade siga a sugestão do Araújo e jogue um pouco de luz nessa direção também.

A comparação nossa com a Argentina é quase uma fatalidade geográfica, somos os dois maiores países da América do Sul com pretensões e vaidades parecidas. Lá, o terrorismo de Estado foi mais terrível do que aqui, e sua expiação – com a condenação dos generais da repressão – está sendo mais rápida. Mas a rede de cumplicidade com a ditadura foi maior, incluindo a da Igreja, e dificilmente será julgada. Olha aí, pelo menos nessa podemos ganhar deles.



Artigo de Luis Fernando Veríssimo, publicado em diversos jornais do Brasil, hoje (21/3/13).


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A meu ver, a Comissão Nacional da Verdade está por demais tímida. O ex-deputado Carlos Araújo em depoimento à Comissão, segunda-feira passada em Porto Alegre, deu informações precisas e nominadas sobre a participação de empresários nas sessões de tortura a que foi submetido nas dependências da Operação Bandeirantes em São Paulo.


O coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, um notório tucano, desconversou. Disse que “a Comissão está investigando os financiadores civis do Doi-Codi e da Oban”. Mais não disse, porque não interessa chafurdar nesse tema que pode pegar muita “gente boa”, cidadãos “probos” e de “retidão de caráter”. “Homens de bem”, como se autodenominam os bandalhos da direita em situação de risco e suspeita de seus atos e feitos públicos.


A propósito do tema, quero recomendar vivamente a leitura de uma reportagem que passou desapercebida (por motivos óbvios). Trata-se de uma longa entrevista concedida pelo ex-repressor, delegado José Paulo Bonchristiano, do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, entre 1964 e 1983, à repórter Marina Amaral (Agência Pública) em fevereiro de 2012.

O delegado, hoje com 81 anos, “entrega” alguns figurões como Roberto Marinho (“este passava pessoalmente no Dops, toda a vez que vinha a São Paulo, pra ver se a gente não estava precisando de alguma coisa”), o “publisher” (como se autointitulava) Octávio Frias (Grupo Folha), que era instado por Marinho para auxiliar os delegados da repressão da Operação Bandeirantes, bem como o dono e fundador do Bradesco, Amador Aguiar, que segundo Bonchristiano, mandou tudo para mobiliar o Dops, “até máquina de escrever”. O velho delegado ainda conta detalhes da participação e dos cursinhos de capacitação ministrados pela CIA aos oficiais da repressão brasileira.


Leia matéria aqui. Está imperdível.



Fotografia: o delegado Bonchristiano e o jovem cantor Roberto Carlos. Delegados do DOPS faziam a "segurança" do programa de RC na antiga TV Record, década de '60. O "rei", hoje, poderia esclarecer essa sua preocupação primeva pela questão da "segurança".

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