quarta-feira, 4 de julho de 2012

Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do III Reich


Tarso versus Goebbels

Paulo Antonio Doering (*)
Dedico o texto que segue aos “77 do Flores”, como passo a denominar, doravante, o grupo de colegas Auditores Públicos Externos que, coincidentemente, no ano do 77º aniversário da Corte, recentemente ingressaram em nossas fileiras e concluíram seus cursos de formação, presentemente “indo a campo” para as suas primeiras batalhas (no bom sentido, evidentemente), em representação deste Tribunal.
A esperança que deposito em vocês vem de muitas fontes. Decorre de minhas próprias impressões, desde quando, por curiosidade, visitando os fóruns de “concurseiros do TCE” (o que fiz em muitas oportunidades), fui testemunha da disposição com que lutaram para aqui ficar, da insistência e tenacidade com que questionaram critérios, prazos e disposições adotadas em relação aos concursos e respectivas nomeações. Decorre, também, da observação de colegas com os quais vocês lidaram nesse momento de contato inicial com o TCE/RS (integrantes do CRH e instrutores, principalmente).
Tenho a convicção – não só a esperança – de que a new generationdo TCE/RS não se contentará com “pratos feitos” e “mesmices” na atividade profissional e muito menos que deixará de assumir as suas responsabilidades pelos caminhos escolhidos, seja na realização de um trabalho técnico, seja no campo da ação associativa. Acredito em um novo Tribunal de Contas, a partir dessa centelha que nos trazem.
Tendo esta certeza, orgulho-me, desde já, de tê-los como colegas, e parceiros.
Vamos, então, a Tarso e a Goebbels.
O primeiro nome dispensa maiores apresentações. Trata-se do Governador Tarso Genro que, é bom que se repise, a par de Chefe do Poder Executivo do nosso Estado, ostenta a condição de jurista de nomeada.
Quanto a Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do III Reich, a ele se atribui a famosa máxima segundo a qual “uma mentira mil vezes repetida, torna-se verdade”, por certo uma figura mais caricata de algo como “criemos um fato, repisemo-lo mil vezes e todos acreditarão nele”. Lógico, desde que o “teatro seja bem encenado”.
Na tarde de 2 de julho, Tarso defrontou-se com algumas das “verdades de Goebbels”. Tudo porque, em entrevista à rádio Gaúcha, ao lado de afirmar que o Executivo Estadual vem estudando a fórmula para dar cumprimento à Lei de Acesso à Informação, manifestou sérias dúvidas sobre a constitucionalidade da veiculação de nomes de servidores de modo vinculado aos seus vencimentos. Bastou o fato para que, no blog da jornalista Rosane de Oliveira, fosse acusado de tentar “driblar a Lei de Acesso à Informação e a própria interpretação do Supremo Tribunal Federal”.
Uma das “verdades de Goebbels” a respeito da matéria consiste em afirmar que a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) determina a publicação de nomes de servidores acompanhados das respectivas informações vencimentais. Na semana passada, aliás, o clipping deste Tribunal veiculou matéria do prestigiado Correio Braziliense onde o jornal afirmava, taxativamente, que a lei previa a publicação desta forma. A AFIRMATIVA É NOTORIAMENTE FALSA, NÃO HAVENDO QUALQUER DISPOSIÇÃO NESTE SENTIDO, EM NENHUM DOS ARTIGOS DA LEI FOCADA. AO CONTRÁRIO, A LAI DETERMINA A PROTEÇÃO DA INFORMAÇÃO DE CARÁTER PESSOAL (art. 6º, III e 31) E NO ARTIGO 8º (QUE VERSA SOBRE AS INFORMAÇÕES A PRESTAR INDEPENDENTEMENTE DE REQUERIMENTO, NOS PORTAIS) SILENCIA A RESPEITO DESSA ESPÉCIE DE DADOS.
É falsa, portanto, a imputação do “drible à LAI” dirigida ao ilustre jurista e Governador Tarso Genro.
A propósito, solidário à posição de nosso Governador e convicto da “verdade goebbeliana” propagada a respeito da Lei de Acesso à Informação, lanço o desafio a quem se apresentar: mostre-me o artigo, parágrafo, inciso ou alínea da citada Lei que determina explicitamente a publicação nominal de servidores com remunerações e dirijo-me ao Setor de Pessoal do Tribunal para firmar a minha exoneração do cargo que titulo.
O Governador Tarso, a par de injustamente acusado do “drible”, é também vitimado em razão dos conhecimentos que detém na seara constitucional. Tudo por ousar não identificar, à primeira vista, no texto do inciso X do artigo 5º da nossa Constituição Federal, a exclusão do servidor público do rol das pessoas a quem se garante proteção da intimidade e de sua vida privada.
Tarso também deve estar “pagando tributo” por, na condição de jurista e Governador, conhecer os termos da Resolução nº 102/2009, do CNJ, a qual, em seu artigo 3º, inciso VI, determina que NÃO SE IDENTIFIQUE NOMINALMENTE O BENEFICIÁRIO DE REMUNERAÇÕES E DIÁRIAS NAS PUBLICAÇÕES EFETIVADAS NOS SÍTIOS ELETRÔNICOS, como também por atentar para o estatuído na Lei Estadual nº 13.507/2010 que, no seu artigo 1º, VEDA A IDENTIFICAÇÃO NOMINAL QUANDO DA VEICULAÇÃO, NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES – INTERNET, DA REMUNERAÇÃO DO PESSOAL DE TODOS OS PODERES DO ESTADO.
O Governador Tarso, ademais, com as suas impertinentes dúvidas (na visão midiática), contraria a mais uma “verdade goebbeliana”, a de que o Supremo Tribunal Federal já colocou a “pá de cal” sobre a matéria, determinando sejam feitas as publicações do modo irrestrito, como propugnam as rádios, os jornais e as emissoras de televisão.
Quanta empáfia, a do jurista Tarso Genro! Imaginem que ousa discernir decisões com efeitos apenas entre as partes daquelas impostas erga omnes e, ademais, põe-se na condição de não identificar obrigatoriedade na adoção de medidas aprovadas em reunião administrativa do Supremo Tribunal Federal, quando este decide sobre ações de caráter interno.
Pois, novamente aqui, vou ousar mais do que o nosso preclaro Governador, para facilitar o entendimento geral. A decisão de um tribunal, como o nosso TCE, por exemplo, quando adotada em reunião administrativa, obriga os externos à Corte tanto quanto uma assembleia geral de associados da SOGIPA, aqui de Porto Alegre, obrigaria os associados do Grêmio Náutico União ou os moradores do condomínio em que resido.
Prezados colegas, saibam todos, definitivamente, que o Supremo Tribunal Federal NÃO DELIBEROU A RESPEITO da matéria de molde a tornar a sua decisão definitiva e oponível a todos. Não o fez, em nenhuma circunstância, e palpito que não o fará (posso até estar equivocado).
Alinho duas singelas razões para confortar o meu entendimento sobre o incômodo em que consistiria, para o STF, decidir sobre a matéria com efeitoserga omnes (para todos). A primeira, decorrente da observação de que as decisões do STF até agora conhecidas, com força de julgamento (e que envolvem o Município de São Paulo) foram tomadas ainda antes da edição da LAI, a qual, regulando o que dispõe o artigo 5º, XXXIII, da Carta Federal, reverenciou, como não poderia deixar de ser, às disposições constitucionais protetivas das informações de caráter pessoal, como já demonstrei anteriormente.
Consequentemente, decisão no sentido da publicação irrestrita de nomes e vencimentos, e com repercussão geral, teria, necessariamente, que contornar o obstáculo trazido pela novel legislação. A segunda razão, deflui da constatação de que, em sendo tarefa de cada ente federado, esfera e instituição a veiculação das informações de seu pessoal, a estes cumpre verificar da conveniência e oportunidade da adoção deste ou daquele método para tanto, com discricionariedade. Adentra-se, nessa circunstância, no que se convenciona chamar mérito administrativo, sendo pouco provável – quiçá inviável – que a Corte Suprema delibere “emasculando” tais poderes dos diversos entes administrativos. Nunca o fez no passado, pelo menos.
A propósito do adentrar-se no chamado mérito administrativo, anuncio aos prezados colegas (especialmente os que realizam auditorias) que, estando presente em palestras realizadas recentemente por ocasião do IX SERGOP, uma dessas especificamente sobre o tema “Lei de Acesso à Informação”, colhemos informações, advindas dos representantes da FAMURS e AGM, de que em diversos de seus municípios associados revela-se forte a pretensão de não publicar nomes com vencimentos, alegando-se a extrema dificuldade em, principalmente nas pequenas e médias comunas, colocar em xeque a privacidade e a segurança dos servidores, ademais considerando as fortes animosidades locais. Enfim, parecem aspectos importantes a relevar, caso a caso. Convém que nos ponhamos em alerta, colocados diante do poder discricionário manejado pela administração local. Convém, de igual modo, que tomemos cuidado para não ceder à tentação de “sentar em cadeiras de governantes”.
Estou a finalizar, caros colegas. Dirijo-me aos “77 do Flores”, não só a vocês, mas especialmente a vocês.
O debate instalado a respeito dessa matéria deve vos servir de lição para a atuação profissional. A partir dele, resta facilitada a tarefa de lhes recomendar que não cedam, jamais, a afirmações desprovidas de fundamentos. Que não reverenciem a autoridades que se apresentam sem argumentos, mas sim à autoridade do argumento. Investiguem, à saciedade. Inovem, na busca de soluções. Pesquisem, incessantemente, principalmente acerca dos temas que lhes trazem desconforto, que lhes inquietam. Não se conformem com as verdades alheias, tenham os seus pontos de vista. Contrariem o senso comum, quando necessário. O Tribunal agradecerá o gesto. A sociedade, da mesma forma.
Criem novos caminhos. Transformem. Irresignem-se, quando for o caso. Ontem, a vítima da lógica “goebbeliana” foi o Governador Tarso. Hoje e amanhã seremos nós, se não o fizermos.
(*) Servidor do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul

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