sexta-feira, 18 de maio de 2012

Educação em debate: concurso, reprovação, aprendizagem


Baixa aprovação em concurso é alerta sobre formação de professores, diz governo

Rachel Duarte no SUL 21
O debate sobre a qualidade do ensino está aberto novamente no Rio Grande do Sul. Os novos elementos são o resultado do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre o estado gaúcho ter o maior índice de reprovação (20,7%) no Ensino Médio e a baixíssima aprovação dos professores no recente concurso público do magistério. As duas notícias saíram esta semana e provocaram uma coletiva de imprensa do secretário estadual de Educação, José Clóvis, nesta quinta-feira (17). Na avaliação do executivo, os dados sobre o ensino médio são os mesmos desde 1975 e a gestão Tarso Genro já começou a Reforma do Ensino Médio no estado. Quanto aos pouco mais de 5 mil aprovados no concurso, ele anunciou novo concurso público para este ano e sugeriu uma reflexão sobre a formação dos professores.
“Não quer dizer que eles (professores) tenham baixa formação cultural, mas aquilo que eles estão aprendendo nas escolas de formação não está adequado ao necessário aos padrões do profissional para sala de aula”, afirmou o secretário José Clóvis. De acordo com o titular da Educação, diferente das críticas sobre o grau de dificuldade da prova aplicada no processo seletivo do magistério gaúcho, a prova foi “normal”. Clóvis explicou que a Secretaria Estadual de Educação efetuou nova verificação dos conteúdos e da bibliografia exigidos para o teste. “Não houve excesso. Tudo que apareceu nas questões é o que se discute sobre a prática de educação”, garante.

Secretário de Educação do RS, José Clóvis defende que Reforma do Ensino Médio já está acontecendo | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini
Foram quase 70 mil candidatos que realizaram as provas no dia 15 de abril. Destes, 92,45% foram reprovados. A composição da prova incluía Português, Legislação e Conhecimentos Pedagógicos, como tradicionalmente ocorria, e inovou com a exigência de conhecimentos específicos da habilitação do professor por área. Com a aprovação de apenas 5,2 mil aprovados, entre os 10 mil inscritos para o quadro em 131 habilitações diferentes, ainda será contabilizado quais as áreas onde mais pessoas foram aprovadas. “O importante é que nenhuma escola ficará sem professor. Onde não pudermos colocar os convocados pela lista do concurso, vamos colocar os professores contratados”, explica o secretário.
A realização do concurso foi pensada justamente para reduzir o universo de cerca de 20 mil professores contratados sem carreira no funcionalismo, fator que dificulta o vínculo com a comunidade escolar e influencia na qualidade do ensino. Com o baixo desempenho dos professores, o governo gaúcho anunciou a realização de novo concurso para este ano. As provas deverão ser aplicadas no final do ano ou no começo de 2013, no mesmo padrão de exigência. “Pensamos um concurso dentro de padrões que consideramos essenciais para um profissional adequado ao ensino de qualidade. O que pudemos perceber é que está havendo dificuldades na formação dos professores”, reforça José Clóvis.
O governo também irá promover o concurso público para funcionário de escola. O número de vagas não foi fechado, pois a Secretaria ainda está desenhando os cargos que serão disponibilizados. “Estamos trabalhando outra concepção. Repensaremos o quadro funcional de acordo com a realidade atual da escola pública: mais complexa, que oferece mais serviços e recebe mais aporte financeiro com os programas Mais Educação, Escola Aberta e RS Inovador. Precisamos de nutricionista para o controle de qualidade da merenda, que virou uma refeição completa, técnicos de contabilidade para gerenciar os novos recursos”, exemplificou José Clóvis.
“Melhor fazer novo concurso do que contratar pessoas que não estão preparadas”, diz Mariza Abreu

“É melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal preparadas", defende ex-secretária estadual Mariza Abreu | Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini
A ex-secretária de Educação do RS, Mariza Abreu concorda com a realização do concurso público aplicado na gestão atual. Segundo ela, as inovações por área do conhecimento e por região já haviam sido pensadas no governo de Yeda Crusius (PSDB). “Fico feliz que isto foi adequado. Nos outros estados as provas sempre foram separadas por áreas específicas, só no RS que não. E a continuidade nas políticas públicas é fundamental porque as mudanças na Educação acontecem de forma gradual. Acaba que em quatro anos nunca dá tempo de fazer tudo, porque a rede estadual é muito grande”, falou.
Mariza entende o baixo índice de aprovados como um fator positivo. “É melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal preparadas, que não se habilitam com formação continuada depois”, afirma a ex-secretária. Ela afirma que o fato da modificação por região e não por município ajuda a evitar desequilíbrios de ter mais ou menos professores por cidades. “Tínhamos casos em que faltava professores e outros locais sobravam”, comenta.
Porém, analisando apenas o edital do concurso, Mariza acredita que possa ter ocorrido algum equívoco na definição dos conhecimentos específicos. “Podem ter feito por disciplina e não por área. Existem várias licenciaturas que são por área. E só o fato de ter sido a primeira vez que se faz provas específicas já pode ter influenciado na aprovação. Não acho isso ruim. Se temos o estado maior empregador de professores exigindo no concurso, isso vai contribuir para melhorar os cursos de formação. Falta uma interlocução entre as agências de formação de professores e os empregadores. O resultado disso estoura no professor”, avalia.
“Sobrecarga dificulta preparação para as provas”, acusa Cpers

Rejane de Oliveira: elaboração de provas difíceis foi estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
A discussão sobre os índices de aprovação dos professores perpassa também outros aspectos da carreira do magistério, na avaliação do sindicato da categoria, o Cpers. A presidente Rejane de Oliveira fala que um conjunto de elementos influenciou os resultados das provas. “Foi um concurso diferenciado. Nossa categoria saiu das provas dizendo que as questões foram mal elaboradas, deixavam margem para dubiedade de interpretações. Foi uma estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira”, acredita.
Rejane acusa que o grau de exigência foi intencionalmente seletivo para não aumentar o número de professores que engrossarão o bolo do pagamento do Piso Nacional do Magistério. “A precarização das relações de trabalho continua e o governo ainda tenta jogar na sociedade que falta qualificação da nossa categoria. Uma categoria com negativa do governo para pagar o piso tem que se desdobrar em três turnos para dar conta da sua sobrevivência e sobre pouco tempo para a preparação para uma prova tão exigente”, defende.

Maria Eulália Nascimento: estrutura salarial do magistério não é "a miserabilidade que se anuncia" | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini
A secretária-adjunta de Educação Eulália Nascimento contesta dizendo que o discurso político da negociação sobre o pagamento do piso não pode ser caracterizado. “Temos que desmitificar a precarização da carreira do magistério. Dos 21 mil professores que estão na carreira e que receberam completivo, 17 mil estão aposentados. Somente 4 mil na ativa recebiam a menos que o piso. O que comprova que a estrutura salarial e a carreira do magistério não são a miserabilidade que se anuncia”, diz. Ela complementa dizendo que “a carreira defendida via Plano de Carreira, possibilita que do nível médio para graduação seja de 85% o aumento, e ainda acrescido os índices dos triênios e das possibilidades das classes que são de 5% a 50%”. O que significaria, segundo ela, uma margem de composição salarial ao longo da carreira do magistério que varia do 1% ao 400%. “Queremos mais do que isso ainda, mas não é a tragédia que se anuncia em relação ao valor do piso”, defende.
Reprovação e Reforma do Ensino Médio
Sobre a taxa de reprovação no ensino médio apresentada pelo Inep esta semana, em que o Brasil registrou os maiores indicadores desde 1999 e o Rio Grande do Sul lidera o ranking dos estados, os gestores do governo gaúcho alegaram não ser um reflexo desta gestão. “É um dado que o RS tem desde 1975. Sempre variou de 17 a 21%”, falou o secretário de Educação, José Clóvis comparando aos atuais 20,7%.
Bruno Alencastro/Sul21
Mudança de qualidade no ensino público é "de médio a longo prazo", diz secretário José Clóvis | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
A realização do concurso público foi uma das ações citadas pelo secretário como fatos concretos de uma mudança na qualidade do ensino público e que impactarão futuramente nos índices do Inep. “Desde 2011 estamos atentos a estes indicadores. Porém, os resultados são de médio e longo prazo. Estamos licitando 400 obras em escolas para reformas inovadoras. Escolas com cozinha industrial, áreas de esporte e lazer, sala de estudos para professores. O ambiente adequado para que a estrutura não comprometa a qualidade da aprendizagem”, justificou.
A precariedade das instituições públicas de ensino não passa batido aos olhos do sindicato que acompanha o dia a dia dos professores. “Temos escolas caindo aos pedaços. Não temos materiais pedagógicos adequados. Faltam condições de trabalho. Tentam sempre colocar nos ombros dos trabalhadores as mazelas da escola pública para justificar os baixos salários”, defende a presidente do Cpers, Rejane de Oliveria.
Na opinião da educadora Mariza Abreu, o índice é recorrente da escola que não atende as demandas da juventude. “Mas, não podemos responsabilizar os professores. Tem a responsabilidade da instituição que formou o professor e dos gestores públicos neste resultado. O pedagógico não pode ser imposto pela Secretaria de Educação aos professores. Eles não conseguirão dar aula de um jeito que não aprenderam, concordam ou se sentem aptos a fazer”, salienta.
Neste ponto, o atual secretário e a ex-titular da Educação no RS concordam. “O único responsável pela reprovação na concepção dominante acaba sendo o aluno. E ele não é. É o diretor da escola, o professor, a Secretaria de Educação e também o aluno. É uma questão que temos que enfrentar. A reprovação nos mostra algo bom que estamos debatendo: que a essência do trabalho educativo, que é alcançar a aprendizagem, não está dando certo”, disse.
Mariza Abreu concorda com o debate. “Temos que transformar o debate em um problema para podermos modificá-lo. Mas, para mudar isto é preciso mudar a formação dos professores e mudar os currículos. Tornar o Ensino Médio mais atrativo”, critica. E argumenta: “Não conseguimos fazer isso por sucessivos governos porque no fundo tem uma cultura que acha que ensino é um só. Para não ser discriminatório, os que entram no ensino superior, por exemplo, tem que saber de todas as áreas para poder entrar em uma área específica”, explica.

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