sexta-feira, 9 de março de 2012

Caso Herzog colocou a ditadura em cheque


Ditadura manipulou foto da grade onde Herzog foi pendurado


Uma nova fotografia do corpo de Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI/CODI, obtida com exclusividade pelo “Lei dos Homens”, amplia as possibilidades de reabertura judicial do caso e seu exame pela Comissão da Verdade, cuja instalação aguarda a indicação dos membros, pela Presidente Dilma Rousseff

A cinta passada em torno do pescoço estava amarrada em uma barra de ferro a 1,63m de altura, o que impedia a suspensão em vão livre do corpo de Vladimir Herzog, cujas pernas se dobravam no chão.


Elio Gaspari revela: “Herzog não precisava ter amarrado a tira de pano na grade inferior. Na cela especial nº 1 havia uma cadeira. Poderia ter subido nela e feito o nó na barra superior, projetando-se em vão livre.” Todas as informações e referências documentais a respeito desse episódio estão no livro “A Ditadura Encurralada”de Elio Gaspari (p. 177 e 279).
Xerox distribuída aos comandantes militares

O CASO 7338 – 75
A fotografia que exibe as barras superiores da janela está entregue às traças, arquivada nos autos do caso 7338 – 75, em um depósito terceirizado pelo estado de São Paulo, na cidade de Cotia (SP). Foi xerografada e distribuída em panfletos aos serviços de informações e comandos militares, com o comunicado da conclusão do Inquérito Policial Militar, assim relatada:

“No dia 25 de outubro, no xadrez especial nº 1 do Destacamento de Operações e Informações (DOI) do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) do II Exército, foi encontrado morto o jornalista Vladimir Herzog. Segundo as conclusões do IPM mandado instalar, Herzog enforcou-se depois de confessar-se comunista”.

Newton Cruz a Figueiredo: “A fotografia não foi publicada nos jornais”


Detalhe do documento de Newton Cruz enviado a Figueiredo

Decorridos quase três meses do assassinato de Herzog, uma dessas cópias foi remetida ao general Newton Cruz, chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações, com xingamentos pessoais: sugeria sua morte e o chamava de “traidor e cachaceiro”. Ele reclama das divergências internas a seu superior no SNI, João Batista Figueiredo, com um bilhete onde atesta, entre outras informações, que a tal fotografia não fora distribuída aos jornais.

O panfleto que irritou Newton Cruz
A Newton Cruz interessava exclusivamente a luta interna que travava. O uso da foto, de conhecimento exclusivo de uns poucos, é o ponto no qual apoia a convicção de que seus “detratores pertencem ao CIE ou à AC/SNI”, (Centro de Inteligência do Exército e Agência Central do Serviço Nacional de Informações, respectivamente).

É muito sintomático, então, que o chefe da Agência Central do SNI guardasse na memória a ocultação pública de tal fotografia, na qual se revela a existência de outras barras de ferro acima daquela em que o corpo foi pendurado. Ou seja, a foto ocultava, sim, um fato muito relevante.

A ocultação da barra ou das barras superiores àquela a que foi amarrado Herzog, na foto distribuída aos jornais, procura induzir à fantasiosa versão de suicídio, que se torna ainda mais inverossímil na foto xerocopiada no panfleto mandado por Newton Cruz a Figueiredo.

A rubrica colocada à direita da fotografia parecer ter um significado especial para os dois generais: para Newton Cruz, que pura e simplesmente a assinalou com uma seta, e para Figueiredo, que sobre ela não precisou de qualquer informação complementar para compreender o recado do colega. Sua autoria só poderá ser determinada com a comparação de outras rubricas nos arquivos militares da época.

Leia na íntegra a carta de Newton Cruz a Figueiredo:


O DOI/CODI da Rua Tutoia


O prédio da 36ª Delegacia de Polícia de São Paulo é arejado, limpo e ocupado por servidores públicos absolutamente gentis com todos os que por lá se veem obrigados a transitar. Aos fundos, o terreno é comum à edificação da Rua Thomaz Carvalhal, 1030, onde funciona um almoxarifado do Governo do Estado de São Paulo.

Sem ligação com as duas edificações, mas no mesmo terreno, há uma terceira, um sobrado onde o acesso ao segundo piso se dá por estreito lance de escadas. Essa última é que sediou a Operação Bandeirantes do II Exército, predecessora do DOI/CODI, que ali se instalou desde sua criação.

Com a extinção do DOI/CODI, lá passou a funcionar um departamento já desativado do Instituto de Criminalística, que deu lugar ao depósito que hoje lá está com ácaros e ratazanas, amaldiçoados pelos funcionários.

Durante a reportagem, ouviam-se discretos comentários sobre a farsa ali montada em 1975 – a maioria deles não viveu a tragédia vivida na época. Do “xadrez especial número um” não há sinal. As reformas descaracterizaram o local, mas não apagaram o cinismo dos relatórios e laudos, a chamar de cela ou “xadrez especial” o que era, na verdade, uma câmara de tortura.

O cenário que precariamente se aproxima das fotos conhecidas está no primeiro piso. Por trás das grades, porém, há vidros transparentes e não tijolos, o que parece desfazer a possibilidade de ser aquele o local fotografado pelos torturadores e assassinos de Herzog.

A pequena área encoberta por telhas de amianto, que separa a tal sala da rua, abriga uma churrasqueira, que parece jamais ter sido usada.
Saiba mais:

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