quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Escurinho morreu

Uma esperança chamada Escurinho




Não lembro o ano exatamente. Deve ter sido na década de 1970. Eu acompanhava com fervor cívico, pelo rádio, em Passo Fundo, os jogos do Internacional. Lá na rua Lava-pés, 841, num acanhado puxado preenchido quase que totalmente pelo beliche que dividia com meu irmão e um heróico guarda-roupa de três portas. Os jogos do campeonato gaúcho, disputados no inverno, eram uma dureza. Afinal, eram os tempos de Daison Pontes, no Gaúcho, de Luiz Felipe e Cedenir , no Caxias. Não era moleza.

Neste ambiente adverso, Escurinho era um sinônimo de Esperança. Erigiu-se como lenda ao entrar no segundo tempo nos jogos e marcar no finalzinho, quando tudo parecia perdido. Lembro de um desses jogos. Inter e Atlético de Carazinho, em Carazinho, no estádio Paulo Coutinho. Jogo duro. Duríssimo. Até a entrada de Escurinho. Nos últimos instantes, o suspense alimentado pela transmissão só de rádio, Escurinho aparece como um anjo salvador para a torcida colorada e, claro, como um carrasco maldito para os adversários.

Escurinho construiu essa lenda de salvador nos momentos finais, quando tudo parecia perdido. Nunca o conheci pessoalmente. Vacaria, lateral esquerdo do Inter daqueles tempos, era meu tio na época. Mas isso me propiciou apenas um aperto de mão de Figueroa, no jogo de despedida deste, contra o Palestino do Chile, no Beira Rio. Foi o dia em que comecei a deixar Passo Fundo e conhecer o mundo.

Escurinho morreu, vítima de complicações provocadas pela diabete. Não importa. Escurinho foi sinônimo de Esperança. Quantas vezes, ouvido colado no rádio, na Passo Fundo ainda dos tempos da ditadura, quando a transmissão dos jogos de futebol constituía um mundo alienado e mágico ao mesmo tempo, Escurinho surgia como o sinal de que era possível reverter uma situação aparentemente impossível. Ele fez isso. Várias vezes. Mais ainda. Foi protagonista de uma das jogadas mais preciosas da história do futebol brasileiro, narrada no vídeo acima pela voz de Haroldo de Souza.

Ao saber da morte de Escurinho na noite desta terça feira lembrei apenas daquela gélida noite de inverno dos anos 70, quando, com o ouvido colado no rádio e enterrado embaixo das cobertas na cama de cima do beliche, conheci o significado do conceito de esperança. A derrota parecia inevitável. Até que Escurinho entrou em campo…

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