quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Camila Vallejo: valores políticos de esquerda, como democracia e justiça social


Altamiro Borges: A marcha da UNE em Brasília
 
Viomundo

UNE convoca “marcha dos estudantes”

do Vermelho, via blog do Altamiro Borges


A UNE vai reunir cerca de 20 mil estudantes em Brasília nesta quarta-feira (31), na passeata que ganhou o nome de “Marcha dos Estudantes” e faz parte do “Agosto Verde Amarelo”. A passeata começa com concentração às 9 horas, em frente ao Banco Central, onde está marcado ato de protesto das centrais sindicais contra a medida do Governo Dilma de aumentar o superávit primário. A data coincide com a reunião do Copom que define o reajuste da taxa básica de juros.

A convite da UNE, a líder estudantil Camila Vallejo, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECh), vai participar da manifestação. Ela vai falar sobre a situação no Chile e convocar a jornada continental de lutas da juventude latino-americana.

“Falta ousadia para o governo quando a discussão gira em torno dos 10% do PIB para a educação. Existe, claro, uma melhora no setor, mas ainda é tímida. Dessa forma, o Brasil desperdiça uma oportunidade única de investir na juventude e dar um salto significativo na educação”, afirma o presidente da UNE, Daniel Iliescu, convocando para a manifestação.

E acrescenta que “os altos juros também impedem um maior desenvolvimento do país. Por isso, vamos ocupar Brasília neste dia 31 de agosto e pressionar o poder público para que não percamos o bonde da história”.

A passeata sairá da sede do Banco Central e percorrerá toda a Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional. Lá, diretores da UNE pretendem se reunir com lideranças partidárias e entregar à presidente Dilma Rousseff um documento com as reivindicações dos estudantes.

Após a marcha, haverá uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em solidariedade à luta dos estudantes chilenos. A UNE participará também de uma audiência pública na Comissão de Educação do Senado sobre o Plano Nacional de Educação (PNE).

Na pauta dos estudantes está a defesa do investimento de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) na educação para remuneração dos professores, mais assistência estudantil, melhoria das escolas e de todos os níveis de ensino. Os estudantes também reivindicam 50% do fundo social do pré-sal somente para o setor e a redução imediata dos juros no Brasil.

Jornada continental

No último dia 25 de agosto, o presidente da UNE, Daniel Iliescu, esteve no Chile para levar o apoio e solidariedade dos estudantes brasileiros à onda de protestos que jovens e trabalhadores de lá vem provendo em defesa de uma educação pública e de qualidade. A última passeata no país, que teve a presença do brasileiro, reuniu mais de 250 mil pessoas, com milhares de presos e um estudante morto.

Em Brasília, os dois dirigentes estudantis – Daniel Iliescu e Camila Vallejo – vão lançar a jornada continental de lutas da juventude latinoamericana, uma proposta da UNE durante a visita de Daniel ao Chile. Camila falará também sobre os protestos em seu pais.

Com a “Marcha dos Estudantes”, a UNE encerra o “Agosto Verde Amarelo”, uma jornada nacional de lutas que resultou em série de manifestações, ocupações e atos públicos em diversas regiões do país.

*****

Do site da UNE, entrevista concedida pela líder estudantil chilena a Rafael Minoro e Patricia Blumberg, traduzida por Moises Alves:

Como foi sua aproximação com a política? Como passou a militar no movimento estudantil?


Desde muito jovem, minha família me formou com valores políticos de esquerda, como democracia e justiça social. Com esta sensibilidade à esquerda é difícil manter-se fora da política e dos espaços que permitem fazer a mudança, especialmente em uma sociedade tão desigual e injusta como a do Chile. Foi assim que me interessei em fazer parte da política, desde muito jovem. Tal vontade se acentuou com a entrada na faculdade, de onde, finalmente, veio a adesão à juventude comunista. A partir deste momento, comecei a ser uma parte ativa de um movimento que tem sido gestado com trabalho, empenho e companheirismo.

O movimento que se fortaleceu este ano é herdeiro da Revolução dos Pinguins em 2006? Quais são os elementos de continuidade e diferença?

Eu não o chamaria de um herdeiro, mas, certamente, possuem uma relação. Em 2006, quando eu era caloura na Universidade do Chile, estudantes do ensino médio foram capazes de instalar na agenda política de Bachelet a questão da educação, com demandas que acabaram sendo tão profundas como mudar o modelo educacional que nos foi dado desde a ditadura militar. A principal diferença entre este movimento, é que, agora, podemos ver todos os setores sociais mobilizados. No começo, o movimento surge essencialmente nos setores universitários, depois vai tomando conta e se espalhando por todo país se transformando em uma das maiores mobilizações desde o retorno à democracia no Chile.

Qual é o balanço que você pode fazer como presidente da Fech, a Federação dos Estudantes da Universidade do Chile, especialmente, nos últimos meses? Qual foi o estopim dessa nova onda?

Faria um balanço muito positivo. Por um lado, esta intensa mobilização nos impediu de avançarmos em alguns aspectos do nosso programa interno. Mas, os avanços que tivemos com a Fech são qualitativamente muito superiores ao ano anterior. Retomamos um papel importante para que os estudantes – e nossa Federação – voltassem a ser novamente atores políticos de importância nacional, cujas opiniões têm um impacto real nos debates históricos sobre a sociedade. Desta forma, temos reavaliado o valor da organização dentro de nossa própria universidade, transcendendo as barreiras estudantis e nos permitindo avançar e nos envolver ativamente nos debates. É preciso deixar para trás a ideia de que a política pertence a poucos, e se aproximar rapidamente de um cenário mais democrático a partir do qual poderemos construir e defender propostas pelas transformações que o Chile precisa.


A principal bandeira de luta é a educação de qualidade e gratuita para os jovens, certo? Como você enxerga o cenário ideal, levando em consideração a realidade de hoje no Chile?

É claro que a educação gratuita é uma ideia política que queremos instalar, mas sabemos que não será uma realidade em curto prazo. Antes de tal transformação, é necessário promover uma reforma tributária que impeça que a diferença socioeconômica entre ricos e pobres, hoje no Chile, se aguce. No entanto, lutamos contra um modelo essencialmente neoliberal, que vê a educação como um bem de mercado – como diz o próprio presidente do Chile – e não como um direito, visão intransigentemente defendida pela direita que chegou ao governo através de [Sebastian] Piñera. Esperamos mudar as raízes de um modelo educacional que nos mantém no subdesenvolvimento.


Neste momento, como estão as negociações com o governo, e quais são as principais conquistas do movimento?

Este governo tem se mostrado intransigente na hora de negociar sobre o modelo educacional que instalaram desde a ditadura militar. Não é só isso, tem se demonstrado disposto a levantar a face mais repressiva, não ouvindo as demandas legitimas e respaldadas por um movimento que as próprias pesquisas mostram ter uma aprovação superior a 80%. Até agora uma das grandes conquistas do movimento tem sido consolidar uma aprovação transversal e unificada na sociedade. Agora, depois de muitas pressões da nossa parte, estamos próximos de sentar à mesa e enfrentar cara a cara um diálogo com o presidente. Esperamos que neste espaço possamos avançar em questões concretas sobre nossas reivindicações. E que não voltem a faltar com respeito ao movimento, com uma soma de dinheiro cheia de ambigüidades, que não nos garante nenhum dos princípios que já defendemos nas ruas há três meses.

Há quanto tempo a Universidade não é mais gratuita no Chile? Explique melhor a questão do endividamento dos alunos.

Desde a ditadura militar, que foi quando mudou o modelo educacional no Chile. O Estado deixou de ser responsável pela educação em todos os níveis e tem um papel meramente subsidiário, deixando o trabalho para o ensino privado, a quem também é concedido o direito de lucrar o dinheiro de todos os chilenos, sob o pretexto de garantir a “liberdade de ensino”. Como hoje a educação não é concebida como direito, mas sim como um bem de consumo, para obtê-la é preciso pagar. E como as universidades públicas não recebem aportes do Estado para a altura dos seus orçamentos, elas têm sido forçadas a se envolver em auto-financiamento, o que significa em palavras simples, que o seu faturamento vem principalmente das taxas pagas pelas famílias. Neste contexto, as quantias necessárias para que as universidades possam realizar seu trabalho é muito mais alta em comparação aos rendimentos recebidos por famílias chilenas. Por isso hoje, basicamente, quem quer estudar tem que se endividar, porque somente uma pequena porcentagem da sociedade tem condições de pagar altos preços pelos estudos.


Quais são as outras questões do debate? Dentro do movimento estudantil estas questões já ultrapassaram a questão educacional?

Um movimento social desta magnitude exige ao governo e ao parlamento governar de acordo com as demandas que estão se defendendo nas ruas. Pode-se notar que a democracia no Chile não dá a possibilidade de se fazer uma sociedade verdadeiramente participativa. Desta maneira, surgem automaticamente demandas por mais democracia e reformas constitucionais relevantes para atingir esse objetivo, por exemplo, que nos permitam deliberar como nação por meio de um plebiscito vinculativo. Lembramos que a Constituição chilena foi feita durante a ditadura e sem o apoio da nação. Uma situação terrível para um país que se diz passar vinte anos vivendo em uma democracia.

Ocorreu no começo de agosto, no Uruguai, o 16 º CLAE, com a participação de milhares de estudantes de todo o Continente. Qual a sua opinião sobre um intercâmbio político mais eficaz entre os estudantes da América Latina?

Entendo que é absolutamente necessário. Os estudantes são atores políticos presentes na América Latina. Por isso, é claro que a nossa política deve convergir no mesmo sentido de que os diferentes países deveriam se alinhar em torno de demandas que, evidentemente, nos convocam por igual, dada as semelhanças de uma região em subdesenvolvimento, produto do capitalismo e da opressão que os EUA geram sobre nós até hoje. Instâncias como OCLAE devem ser muito mais presentes, tanto para estudantes como para todos os tipos de organizações latino-americanas.

A UNE convidou você para a “Marcha dos Estudantes” brasileiros, que irá encerrar o “Agosto Verde e Amarelo”, série de manifestações que defendem que 10% do PIB e 50% do fundo social do Pré-sal do Brasil sejam destinados para a educação. Vocês estão defendendo no Chile algo parecido com isso em relação ao cobre, não é?

Na quarta-feira chego a Brasília. De fato, há semelhanças nas reivindicações. O Chile é um país muito rico em recursos naturais, o que não condiz com os baixos níveis de habitação, saúde e educação, entre outros. Isso se deve, principalmente, à privatização dos recursos naturais, e a enorme condescendência que se tem este setor. Trata-se de compensação tributária. Quando exigimos um aumento substancial dos recursos públicos na educação, nos perguntam frequentemente “e onde obteremos esses recursos?” – do cobre, respondemos. Da nacionalização de nossos recursos naturais.

Sabemos que estuda Geografia. Em que período da formação você está? Você consegue conciliar os estudos e a militância?

Já sou graduada em Geografia e sem dúvida ser presidente da FECH significou um custo acadêmico que, desde a minha nomeação para o cargo, estive disposta a assumir. O trabalho político exige bastante tempo e dedicação, mas não inviabiliza o trabalho acadêmico na medida em que você se organiza. No entanto, a militância é algo que vai muito além do meu tempo na universidade, é um compromisso para a vida, que sempre significará sacrifícios de toda espécie. Obviamente, nem todo mundo está disposto a assumir isso, mas de minha perspectiva comunista, creio que não só vale a pena, como é imprescindível na luta por um país mais justo.

Após os primeiros protestos, a mídia manifestou com mais freqüência ou com maior ênfase, a questão da sua beleza física, em detrimento de suas qualidades e habilidades intelectuais. Isso te incomoda?

Esses tipos de ataques vieram principalmente dos setores de direita, que têm o domínio da grande maioria dos meios de comunicação e, em minha opinião, representam uma estratégia bastante covarde, baixa e, sobretudo, fracassada, para desacreditar um movimento que hoje está mais forte do que nunca. Me parece que ainda há meios essencialmente machistas e misóginos que tentam fazer disto um tema. O movimento, a sociedade e o Chile têm sido capaz de avançar, valorizando muito mais clareza de conteúdo e a transversalidade do apoio, do que aquilo que eles chamam de “um rostinho bonito”. Como eu disse por meio de outros meios, parece-me um despropósito argumentar que, com os níveis de organização, solidez e transversalidade do debate sobre educação e democratização no Chile, a aparência física ainda seja assunto.

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