domingo, 27 de fevereiro de 2011

que ninguém nos roubasse a esperança e os objetivos comuns


''No Magreb, uma revolta não religiosa, mas de igualdade''

ihu.unisinos
A Nova Aurora, como o patriarca dos coptas católicos egípcios o chama, não é um movimento nascido da fome, mas sim do desejo de igualdade. Não nasce dos pobres, porque envolve a todos e se alimenta do sentimento de cidadania. Não tem barreiras religiosas, mas é preciso vigiar para que grupos extremistas não cheguem a se apoderar da cena central.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 24-02-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"Todos trabalhamos para preparar uma nova aurora no Oriente Médio", declara o patriarca e cardeal Antonios Naguib (foto), acrescentando que o Sínodo dos Bispos do Oriente Médio, reunidos no Vaticano em outubro, havia indicado esse objetivo "antes que tudo acontecesse". Na Comunidade de Santo Egídio, que organizou uma pequena cúpula islâmico-cristã para examinar a "agenda da convivência", Naguib descreve as características de um levantamento que pegou todos de surpresa. Inclusive os governos ocidentais e os seus serviços secretos. "O movimento em curso – explica – tem uma importância para todo o Mediterrâneo e para o Oriente Médio, contanto que se reforce e que dure".

Eis a entrevista.

A aurora chegou, mas todos no Magreb e no Oriente Médio pareciam despreparados.
O que aconteceu surpreendeu a todos. Certamente, alguma coisa estava no ar, mas ninguém imaginava um movimento capaz de sacudir o país.

O que o senhor pensava?
Acreditava que, antes ou depois, estouraria uma revolta dos famintos. Pelo contrário, a motivação foi a necessidade de se assegurar o futuro.

O impulso veio dos desempregados, da geração-Internet, dos islamistas?
Não, os Irmãos Muçulmanos também ficaram surpresos. Explodiu um sentimento compartilhado dos jovens de que não havia espaço para eles, de que havia a necessidade de vida, liberdade, união. Não era mais uma questão de muçulmanos ou cristãos, mas sim de ser cidadãos na igualdade.

O senhor acredita que esse sentimento é o mesmo nos outros países árabes que estão se levantando?
Sim.

Mas vocês não foram capazes de prevê-lo.
A minha geração [o patriarca tem mais de 70 anos] não se dava conta de que nas novas gerações estava amadurecendo uma outra visão do mundo. Víamo-las na Internet, ocupadas em conversar nos chats, e não sabíamos o que estavam conversando. Pelo contrário, falavam de argumentos sérios, enfrentavam os problemas da sua vida e, assim, criaram uma comunidade midiática que encontrou a sua unidade nas demonstrações da Praça Tahrir. E quero lembrar que, na primeira manifestação, eram esperadas no máximo 500-1.000 pessoas.

E transformaram-se em um milhão.
Pessoas de todas as camadas, animadas pelo desejo de direitos. Depois, vieram as reivindicações por salário e emprego. Mas, entre as pessoas, que nas manifestações eram maltratadas e feridas, havia de tudo: ricos, professores, médicos, empresários, jovens com um posto de trabalho fixo, empregados do setor petrolífero. Impulsionados pela vontade de futuro, pela vontade de que os filhos tivessem uma vida diferente da nossa. A preocupação pelo amanhã uniu a todos.

Sem barreiras religiosas?
Elas haviam caído. Quando os jovens se puseram a patrulhar de noite as ruas sem polícia para garantir a segurança, não contava mais se eram muçulmanas ou cristãs. Estavam animados por um sentimento de fraternidade nacional, por um sentimento comum de cidadania.

Os governos ocidentais se perguntam, agora, que papel os grupos fundamentalistas islâmicos irão desempenhar no Egito e no Magreb.
Entre nós, os Irmãos Muçulmanos são bem organizados e estão presentes há muito tempo na sociedade. Agora, eles também têm seus representantes na comissão, que irá preparar a nova Constituição.

É possível ter confiança?
Os seus ideais são conhecidos e estão publicados. O que eles declaram hoje é diferente: falam de unidade, democracia, igualdade, dizem que não querem o poder. Confiar? O futuro nos dará a resposta. Se olho ao que escreviam, tendo pelo "não". Se vejo o que dizem hoje, prevalece o "sim". Naturalmente, há grupos mais extremistas e grupos mais moderados.

Mas, nessas situações, é preciso escolher o que fazer.
Considero que é justo que tenham o seu partido político, mas no quadro de um Estado civil em que todos estão unidos pela igualdade dos direitos. É diferente o caso de quem queira utilizar a liberdade e a democracia para criar uma autocracia religiosa.

O que o senhor entende por Estado civil?
Prefiro esse termo a "laico", que evoca uma imagem arreligiosa ou antirreligiosa. Quero dizer um Estado baseado nos direitos do homem e na liberdade religiosa.

Há algum perigo que lhe preocupe?
Gostaria que ninguém nos roubasse a esperança e os objetivos comuns.

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