segunda-feira, 29 de novembro de 2010

fim da mesmice(?)... estamos torcendo(!)

Novo secretário de Educação representa esperança de diálogo com Cpers

Sul21

Igor Natusch

O governo Tarso definiu, na tarde desta quarta-feira (24), o ocupante de uma das secretarias mais problemáticas do governo gaúcho. José Clóvis de Azevedo, ex-integrante da direção do Cpers e primeiro reitor da Uergs, foi confirmado para a secretaria de Educação, uma pasta que tem trazido problemas para os últimos governos estaduais. Tão complicada é a situação da educação no estado que o PDT, partido que tem o ensino como uma de suas principais bandeiras, declinou de indicar nomes para a pasta.

Além das dificuldades de gestão, causadas pela falta de recursos e pela grande necessidade de investimentos, há a urgência em retomar o diálogo com o Cpers, sindicato que protagonizou alguns dos mais duros confrontos com a administração de Yeda Crusius (PSDB). José Clóvis pode ser o nome ideal para recuperar o diálogo com os professores. Filiado ao sindicato, o novo secretário transita bem entre os dirigentes e é visto na entidade como uma pessoa aberta ao debate. É considerado também um dos maiores especialistas gaúchos na problemática do ensino fundamental.

“Quem recomendava que não fosse o José Clóvis não deve ter lido todos os livros dele que eu li. O secretário reúne características de qualidade política e conhecimento intelectual”, disse o governador eleito, ao explicar a escolha do novo secretário. A demora no anúncio ocorreu, segundo Tarso, para que ele e José Clóvis tivessem “uma conversa de profundidade” sobre as questões educacionais do estado. “Feita esta conversa, se estabeleceu uma identidade entre o que nós queremos fazer e com o que ele pode contribuir. O diálogo com o magistério, que hoje está interrompido, é uma destas coisas.”

A presidente do Cpers, Rejane Oliveira, acredita que o novo secretário tem um “grande currículo”, e pode simbolizar uma mudança no rumo das negociações com o governo estadual, depois da “experiência péssima” com a atual governadora Yeda Crusius (PSDB). “Vamos solicitar uma audiência, logo nos primeiros dias de governo, na qual vamos expor a plataforma discutida dentro do Cpers. Queremos estabelecer uma política de negociação e de diálogo com o governo”, afirma.

Já a ex-secretária de educação do governo Yeda, Mariza Abreu, se disse “surpreendida” pelo nome do novo secretário. Segundo ela, trata-se de “um nome do Cpers”, que teria sido citado pela atual presidente do sindicato em artigos publicados na imprensa. “Não se trata de um desabono”, ressalva, apontando que a proximidade com o Cpers pode auxiliá-lo nas negociações, que envolvam reformas estruturais, como o plano de carreira do magistério. “Espero que ele tenha disposição para desatar esse nó”, afirma.

Lúcia Camini (E) /Foto Lúcia Lemos
Lúcia Camini: “A realidade mudou, mas nossas escolas públicas estão paradas no tempo”.
O projeto de governo de Tarso Genro dedica várias páginas a descrever os problemas que envolvem o ensino no RS. Entre as propostas para melhorar a educação no estado, o novo governo se propõe a atuar em três pontos principais: melhoria salarial para professores e funcionários; qualificação permanente do corpo docente, com a garantia de novos concursos públicos para o magistério; e investimentos na estrutura escolar, tanto na infraestrutura dos edifícios quanto em recursos didáticos e de manutenção. O documento assume compromissos também com a democratização da gestão nas escolas, além de propor medidas que integrem as classes populares e levem à universalização do ensino fundamental.

Lúcia Camini, ex-secretária de Educação do governo Olívio Dutra, acredita que o novo governo deve prestar especial atenção na formação profissional dos educadores gaúchos, para que eles sejam capazes de atender as necessidades do corpo discente. “A discussão pedagógica foi refreada no atual governo. As necessidades dos alunos são diferentes, a realidade mudou, mas nossas escolas públicas estão paradas no tempo. A função social do ensino tem que ser dinamizada. Mais do que oferecer um espaço de construção, a rede pública tem que motivar a busca por conhecimento”, reforça.

José Clóvis de Azevedo acena nessa direção, garantindo que o próprio governador Tarso Genro não é “de ficar na mesmice”. “No Ministério da Educação, ele deu provas de ousadia e de busca de inovações. As conquistas do governo federal mostram isso”. Em seu programa de governo, Tarso acena com medidas voltadas à cultura popular, como a implementação de oficinas de teatro, dança e música na rede pública estadual de ensino.”Azevedo afirma ainda que é preciso “aproximar cada vez mais a escola da realidade dos alunos. Durante seu período como ministro, o futuro governador demonstrou essa sensibilidade”.

Outro ponto que, segundo os entrevistados, requer atenção especial refere-se à infraestrutura das escolas estaduais. “Atualmente, as escolas estão caindo aos pedaços. As salas de latão da governadora Yeda são prova concreta disso”, critica Rejane Oliveira, presidente do Cpers. Segundo ela, o atual governo cortou 30% das verbas de manutenção, o que tornou quase inviável a administração das instituições de ensino. “Muitas escolas são forçadas a fazer festinhas para arrecadar recursos, ou a pedir merenda para outras escolas”, acusa. Para Rejane, essa é uma realidade que precisa ser enfrentada com urgência pelo futuro secretário de Educação.

“Não adianta construir uma bela escola, entregar a chave e pronto. Os recursos básicos de material precisam ser oferecidos”, adverte a ex-secretária do governo Olívio Dutra, Lúcia Camini. Para ela, a falta de recursos acaba tendo reflexo em toda a realidade escolar, inclusive no aumento da violência. “A educação gaúcha não precisa apenas de uma injeção de recursos, mas também de ânimo. Professoras, alunos, funcionários, todos precisam sentir-se valorizados. E isso tem relação com tudo, desde um prédio bem cuidado até a certeza de que se vai ter material didático e merenda para os alunos”, explica.

Divulgação
José Clóvis /Foto: Divulgação
José Clóvis de Azevedo: “reverver o processo de empobrecimento” é compromisso do governo Tarso
O futuro secretário de educação, José Clóvis de Azevedo, diz estar aberto para discutir um dos principais pontos na atual conjuntura do ensino gaúcho: a remuneração dos professores, tanto dos aposentados quanto dos que estão na ativa. “Ainda não tive oportunidade de discutir a fundo esse assunto com o governador, mas é evidente que temos que fazer uma projeção financeira que leve em conta a educação”, diz o futuro secretário. Ele garante que o governo Tarso tem o compromisso de “reverter o processo de empobrecimento” do magistério gaúcho, e afirma que buscará “soluções mediadas” para a questão.

Para a ex-secretária de educação Mariza Abreu, demandas legítimas da classe, como o aumento de salários e melhores condições de trabalho, acabam sendo prejudicadas pelo problema de falta de recursos no RS. “Não é fácil conciliar os interesses do magistério com os recursos disponíveis”, argumenta. Ela acrescenta que, com a atual matriz previdenciária da classe, se torna “inevitável” estabelecer uma negociação por meio de trocas. “Tive que comprar brigas homéricas por causa disso. Não é por nada que foi tão difícil, para Tarso, definir um secretário de educação”, comenta.

Mariza Abreu / Divulgação
Mariza Abreu: mudança do plano de carreira do magistério é inevitável
De acordo com Mariza, a mudança do plano de carreira do magistério é inevitável, e precisa ser concretizada o quanto antes. A grande quantidade de aposentadorias especiais e as regras de incorporação de benefícios, que transferem gratificações para os proventos dos professores aposentados, estariam levando a situação para um beco sem saída. “Esse problema precisa ser encarado, não há outra saída. É algo que vai estourar em 3 ou 4 anos. Ou desatamos esse nó, ou a coisa vai estourar, e muita gente vai ficar sem aposentadoria”, adverte.

Uma visão que não encontra eco na posição da presidente do Cpers, Rejane Oliveira. A entidade vê na manutenção do plano de carreira um dos pontos fundamentais de sua pauta de reivindicações. “O cenário gaúcho muda, mas a tarefa do Cpers não. Queremos um processo de negociação, mas mantendo a mobilização. Não vamos adaptar a pauta do sindicato à pauta do governo estadual. Vamos lutar para garantir as nossas bandeiras”, diz ela, listando demandas como a adoção do piso nacional, a realização de concurso público para o magistério e o abono para dias de greve, descontados pelo governo Yeda.

Para a ex-secretária de Educação de Yeda Crusius, a discussão sobre os recursos financeiros não pode ser “míope”. Segundo ela, os 35% destinados à educação pela Constituição estadual são um indicador “falho”, que acaba trancando a discussão. “Não tem como cumprir”, diz ela. “E não adianta ficar dizendo ‘vocês não cumprem’, insistindo nesse percentual e perdendo outros modos de financiar a educação. Nossa preocupação tem que ser não com a construção de posições, e sim de soluções factíveis”, defende.

Rejane Oliveira / Divulgação
Rejane Oliveira: “Não aceitamos a meritocracia de maneira alguma”
Um ponto que provoca polêmica no plano de governo de Tarso Genro refere-se aos mecanismos de avaliação de desempenho. Na publicação que trata do programa de governo, a Unidade Popular pelo Rio Grande defende a aplicação de um modelo de avaliação que “ajude a ver o que falta” na formação dos professores. Há o indicativo da concessão de um 14º salário nas escolas estaduais de melhor desempenho. Na visão do Cpers, isso caracteriza a adoção da meritocracia – o que é visto com muito desagrado pelos representantes do sindicato. “Não aceitamos isso (meritocracia) de maneira alguma. É uma tentativa de enfraquecer o plano de carreira da categoria”, critica a presidente Rejane Oliveira.

De qualquer modo, as possibilidades de negociação do novo governo são vistas com otimismo pelas especialistas ouvidas pelo Sul21. “Tarso tem uma vantagem, já que o governo federal já se comprometeu em ampliar os investimentos na educação. Se ele conseguir retomar o debate com o magistério, valorizando o planejamento estratégico e incentivando uma gestão democrática na comunidade escolar, temos uma perspectiva muito positiva. Nesse sentido, a secretaria de Educação pode ser uma potência no futuro governo”, diz Lúcia Camini, ex-presidente do Cpers.

Mariza Abreu acredita que a política educacional de Tarso Genro será “melhor” do que o programa de governo dá a entender. Na opinião da educadora, o programa de governo foi coordenado pela DS (Democracia Socialista, corrente interna do PT) e tem uma linguagem excessivamente política, parecida com a de um programa eleitoral. Na prática, porém, ela acredita que a postura será diferente. “Tenho visto entrevistas do futuro governador, e gosto das posições que ele tem defendido. Minha expectativa é positiva”, garante. “Tarso disse que levará a questão da previdência para o Conselhão. Se ele fizer isso, será ótimo. Se não fizer…”, diz Mariza Abreu, deixando as reticências no ar.

O futuro secretário de Educação, José Clóvis de Azevedo, garante que as “instâncias de discussão” serão tratadas com prioridade em sua gestão. “Não vai existir consenso sempre, há diferenças aqui e ali. Mas vamos buscar sempre a convergência. O professor será o principal sujeito do nosso projeto, obviamente valorizando o diálogo com sua entidade de classe (Cpers)”, conclui.

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