domingo, 16 de maio de 2010

O Descolocado

I


O Velho faz sinal para que se aproxime aquela menina com o olhar da tristeza, vestida e forrada com uma casca resistente e, ao mesmo tempo, bonita e escura, como aquela madeira negra, que nunca consigo lembrar o nome, mas deixa pra lá o apelido da árvore, é a menina que implica com seus cabelos escorridos, pés descalços da pobreza que anda ao acaso pelo mundo, dentes arroxados e quebrados de quem apenas se desfaz da vida que não lhe vale nada, mas lhe impõe preço. E a cotação da vida que cobra de uns e esquece de anotar na conta de outros faz o tipo mãezona com os escolhidos, vira as costas aos desajudados. Mães não deveriam amar um filho mais do que aos outros, mas, quem sabe, fazem apenas como os leitores que amam alguns livros mais que outros, jogados em estantes empoeiradas e esquecidos do contato curioso das mãos do leitor. Mães assim, seriam abençoadas com filho nenhum.

O homem antigo torna a chamar e saio desse torpor de ficar pensando em nada. Divagando sobre coisa alguma. A menina parece que vai reclamar, não gosta de agradar, nem tem o que agradecer

O que é?

Não é apenas uma pergunta, mas um jeito de distanciar e avisar que lhe deixem em paz. Uma má educação áspera. Exercita a solidão. Sabe que se cair não passa do chão e agrado demora a viagem. Ergue o queixo e o canto direito da boca enquanto encarquilha a testa, os olhos macambúzios acompanham todo esse movimento de ataque, mas sem vontade de bisbilhotice. Todos aprendem gestos de defesa, de uma maneira ou de outra. Fingir faz parte da vida. Tristes de verdade e alegres quando necessário.

Nenhum comentário: