terça-feira, 8 de setembro de 2009

Vida & Inclusão Escolar

O Estado de São Paulo , 6 de setembro de 2009 - A 20 -

Vida & Inclusão escolar ainda é desafio

Forma de inserir crianças com necessidades especiais gera divergências entrepais, educadores e especialistas Simone Iwasso
Bianca tem síndrome de Down e, aos 12 anos, tem uma rotina dupla: passa as
manhãs em uma escola especial e as tardes na rede regular de ensino.
Isabela, de 19 anos, tem a mesma síndrome, mas, após uma experiência denegligência e abandono em uma escola, sua família decidiu mantê-la só no ensino especial.
Com paralisia cerebral, Natasha, de 10 anos, sofreu todo tipo de preconceito para estudar - mesmo assim, segue em um colégio particular regular.
As três garotas querem continuar os estudos e lutam com suas famílias para isso. Em comum, elas têm o apoio da legislação, que prevê a educação paratodos - com respeito e acolhimento das diversidades -, e a realidade do sistema educacional brasileiro, na prática, muito distante do que determinaa lei.
Assim como elas, há mais de 300 mil crianças com alguma deficiência matriculadas em colégios regulares e outras 342 mil em escolas especiais. O desafio a ser enfrentado pela sociedade é como unir esses universos, garantindo que alunos sejam efetivamente incluídos e atendidos em suas especificidades - incluir, nesse contexto, é bem mais do que colocar na sala de aula. Todos concordam com a inclusão, mas discordam sobre como fazê-la.
De um lado, liderados pelas escolas especiais e pelas redes como Apae, estão os defensores de uma inclusão gradual, dentro de um processo, feita com acompanhamento especial. De outro, organizações não-governamentais ligadas ao tema defendem a inclusão obrigatória e a diminuição da rede especial.
Para elas, só com a entrada em massa das crianças e jovens na rede regular é que o sistema se adaptará e passará a acolhê-los. Seja como for, além da falta de infraestrutura, de metodologia, de materiaisdidáticos e de professores de apoio, o desafio maior é o preconceito.
Pesquisa feita pela USP sob encomenda do Ministério da Educação com 18..599 estudantes, pais e mães, professores e funcionários da rede pública do País mostrou que 96,5% deles têm preconceito e querem manter distância de pessoas com deficiência. Levantamento do Ibope encomendado pela Fundação Victor Civita apontou que 96% dos professores se dizem despreparados para a inclusão e 87% deles nunca receberam treinamento.
O debate é complexo e delicado, envolve governos, famílias, equipe escolar e organizações da sociedade civil. Evidencia também todas as falhas da própria escola com todos seus alunos: excesso de estudantes em sala de aula, falta de acompanhamento individual, professores despreparados e episódios de violência. O resultado final é a falta de aprendizagem.

PEREGRINAÇÃO
No caso de Bianca, a escola regular foi sua única opção até os 10 anos. Mas ela não progrediu nem foi alfabetizada. Um dia, ao lamentar para a irmã que já tinha 10 anos e não sabia ler nem escrever, a mãe procurou ajuda.
"Tentamos colocar na escola dita normal, mas ela nunca recebeu atenção. E eu vou atrás, fico no pé, estou sempre na escola, peço para conversar, reclamo. Mesmo assim, ela passava os dias perambulando pelos corredores", conta a mãe, a pedagoga Sandra Reis.
"Quando coloquei na escola especializada, ela foi alfabetizada em seis meses. Hoje, ela aprende lá e continua num colégio estadual pela socialização. "
Bianca estuda no Centro da Dinâmica de Ensino (CEDE), um colégio na zona sul da capital fundado há 30 anos para atender crianças com deficiências mentais e que foi um dos pioneiros na alfabetização. "Recebemos muitas crianças que estão na escola regular ou que passaram por ela e somos a favor da inclusão- mas da inclusão verdadeira, com acompanhamento para que alcancem seu potencial máximo", afirma Célia Regina Derwood Mills Costa Carvalho.
Lá, em turmas com cerca de 10 alunos, cada estudante é avaliado e tem seu plano curricular definido - até o material didático é adaptado para as necessidades individuais. Todos são estimulados a terem independência e autonomia em casa, nos relacionamentos e no mercado de trabalho.
"Não tem fórmula, para cada um é uma adaptação. Se ela não fala o som do b?, você não pode começar a alfabetizar por aí. Se ela fala mamãe?, você começa pelo ma?", explica.
É o caso de Isabela Delboni, que se forma neste ano.
"Eu quero me formar, trabalhar e me casar", conta ela, que não gostava da escola regular. "A professora não entendia as pessoas com síndrome de Down. Eu ficava triste e brava."
A mãe conta melhor a história.
"No primeiro dia de aula a professora me chamou e disse que não faria nada pela minha filha, que não era paga para isso e que ela ficaria no fundo da classe sozinha", diz Arlete Delboni. Ela reclamou, procurou a direção da escola, a regional de ensino e, mesmo assim, não conseguiu mudanças.
"A inclusão não existe. Só no comercial", diz Martinha dos Santos, mãe de Natasha, que teve de sair da escola onde estudava por represálias da equipeapós reclamações da mãe - que era obrigada a ficar junto com a menina na sala de aula.
"Consegui ajuda financeira e procurei muitos colégiosparticulares, até que um aceitou ela. Ninguém quer, ninguém aceita.."
Para quem participa do debate, o despreparo não pode impedir o processo -que deve ser a inclusão total no colégio.
"A escola só estará preparada quando os alunos estiverem lá. Sei que é difícil, mas precisamos insistir ou nunca teremos uma escola para todos", diz Claudia Grabois, presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.
Para Liliane Garcez, da Apae de São Paulo, se trata de um movimento em curso.
"É um processo social, que já avançou na legislação e está progredindo nas escolas", afirma. O resultado que todos esperam, como resume Liliane, é uma escola que dê conta da diversidade humana, capaz de ensinar a partir das diferenças.
"É a escola que queremos para todos."

''Sempre tive esse pensamento: vou conseguir''
João Vitor percorreu todas as etapas do ensino regular e já pensa no mestrado e doutorado

Evandro Fadel

Os 22 anos de vida de João Vitor Mancini Silvério podem ser resumidos em uma palavra: determinação. Com síndrome de Down, ele percorreu todas as etapas do ensino regular, recentemente terminou o bacharelado em Educação Física, está cursando a licenciatura e já pensa no mestrado e doutorado. "Sempre tive esse pensamento: vou conseguir, vou chegar lá", diz o jovem. "Nunca me senti diferente de ninguém."
João Vitor enfrentou preconceitos e críticas desde o início da vida escolar. Foi xingado e humilhado por colegas e chegou a apanhar na escola. Mas, por orientação da família, optou por não reagir à época. "Se eu combatesse da maneira como me tratavam estaria sendo igual, por isso, procurava a diretora para que ela cuidasse da questão da maneira dela", conta. Na Universidade Tuiuti, em Curitiba (PR), onde fez o curso superior, a maior dificuldade foi provar a todo instante que era tão capaz quanto qualquer outro estudante. "Ainda não há preparo suficiente para receber pessoas comnecessidades especiais", diz. Estudioso e aplicado, tinha aulas de reforço e procurava cumprir todos os prazos com os trabalhos de casa - colegas e professores duvidavam que era ele quem os fazia. "Isso me magoava muito", diz. Hoje, João Vitor é estagiário em uma empresa, elabora programas de treinamentos individualizados e tem grandes chances de ser efetivado - a companhia está montando um projeto de corrida com a primeira equipe de pessoas com a síndrome. Muitas de suas conquistas, acredita, estão relacionadas com o estímulo que recebeu desde a infância e a atitude dos pais em não segregá-lo ou protegê-lo em excesso. "Nunca tivemos medo de expô-lo", afirma a mãe, Roseli. "Nós não tínhamos dó dele. Fomos muito exigentes, às vezes um pouco demais", completa o pai, Gonçalo. O pai conta que sempre incentivou a prática de esportes e acredita que isso facilitou o desenvolvimento cognitivo do filho. João Vitor já teve várias namoradas, embora atualmente não esteja comprometido. A ideia de se tornar padre, que o acompanhou por algum tempo, não existe mais. "Quero construir uma família."
Para a presidente da Comissão de Educação Inclusiva da Tuiuti, Ana Luíza Bender Moreira, o preconceito contra as pessoas com algum tipo de deficiência existe e ainda há professores despreparados. "
Mas, para a reitoria, não interessa mais professores que não queiram abraçar essa causa", afirma Ana Luíza. "É fácil fazer arranjos arquitetônicos que permitam a inclusão. O mais difícil é mudar as atitudes, os paradigmas, a mentalidade", diz.

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