sexta-feira, 19 de junho de 2009

O Jogo do Poder

Artigo escrito por Eduardo Guimarães

Se não podemos mudar o jogo do poder que é jogado neste momento no Brasil – ou ao menos influir decisivamente nele –, talvez possamos meramente entendê-lo, de forma que aqueles bem-intencionados que adotam esta ou aquela posição possam fazer seu trabalho de formiguinha com um mínimo de foco.
Sobre este trabalho de formiguinha, vale a pena dizer que não é capaz de influir tão efetiva e rapidamente no jogo em tela, não é capaz de criar crises, de alarmar ou predispor a população de um dia para outro através de uma simples reportagem exibida na tevê em horário nobre.
Quem discorda do uso que se faz dessa arma poderosa que são grandes tevês, rádios, jornais, revistas semanais e portais de internet, exaspera-se. Sobretudo quando descobre que você esperneia, escreve blogs, faz manifestações na rua e esses impérios de comunicação permanecem lá, incólumes, sorridentes, montados em pilhas de dinheiro que estes que discordam, inclusive, são obrigados a financiar com seus impostos.
A mídia tripudia. Recebe dinheiro inclusive de nós que a rejeitamos. O governador de São Paulo, José Serra, por exemplo, faz compras sem licitação de livros da Editora Abril. Livros de baixa qualidade, cheios de erros e outras inadequações ao fim para o qual foram adquiridos. E eu, que abomino a editora, sou obrigado a financiar isso, pois os impostos estaduais que pago (como, por exemplo, o ICMS) vão para os bolsos da família Civita.
O pior que se poderia fazer neste momento seria subestimar essa máquina política que se opõe ao projeto de país apoiado pela quase totalidade dos brasileiros. E vale dizer que, quando me refiro a essa “quase totalidade dos brasileiros”, aludo aos mais de oitenta por cento da população que apóiam a forma como o Brasil é governado.
Porém, a Globo, a Folha e a Veja, entre tantos outros grandes meios de comunicação, discordam do projeto de país vigente e executado pelo governo Lula. Reclamam de muita coisa. O Bolsa Família seria “populista”, as cotas para negros nas universidades seriam “racistas”, a diversificação de mercados para os produtos brasileiros no exterior seria “perda de foco”, pois bom mesmo teria sido continuarmos priorizando os EUA e a Europa.
Há, também, razões particulares dos grandes jornais, tevês, rádios, revistas semanais e portais de internet. Segundo “denúncia” do jornalista Fernando de Barros e Silva, do jornal Folha de São Paulo, o governo Lula criou, também, um “Bolsa Mídia”. Vejam:

“(...) Planalto adotou uma política radical e sistemática de pulverização da verba publicitária destinada a promover o governo. Em 2003, a Presidência anunciava em 499 veículos; em 2009, foram 2.597 os contemplados – um aumento de 961%. Discriminada por tipo de mídia, essa explosão capilarizada da propaganda oficial irrigou primeiro as rádios (270 em 2003, 2.597 em 2008), depois os jornais (de 179 para 1.273) e a seguir o que é catalogado como "outras mídias", entre elas a internet, com 1.046 beneficiadas em 2008 (...)”.

Como se vê, apesar de estar montado em dinheiro, o aparato midiático da direita está perdendo muito, financeiramente. Como foi amplamente divulgado pela imprensa recentemente, os gastos publicitários do governo Lula somam cerca de um bilhão de reais, mesmo montante do governo FHC.
É muito dinheiro para dividir entre 499 veículos. Na média, estamos falando de dois milhões de reais para cada um, apesar de que uma meia dúzia de meios de comunicação fica, pelo menos, com uns oitenta por cento desse bilhão de reais.
Pulverizar esse dinheiro todo por 2.597 veículos reduz a média por veículo para menos de 400 mil reais. É motivo mais do que suficiente para as famílias Marinho, Civita, Mesquita e Frias, que ficam com a parte do leão da publicidade oficial, não gostarem de Lula.
O dinheiro que a mídia vê escorrer por entre seus dedos, a aliança daquelas famílias com José Serra tenta mitigar. Contudo, os cofres paulistas não têm robustez suficiente para repor adequadamente as perdas. São apenas um paliativo.
Temos que entender o seguinte: esses meios de comunicação ficaram do tamanho que ficaram porque se aliaram a todos os governos antes do governo de Lula. Aliaram-se aos militares, no período pré-golpe de 1964. Para apoiar o golpe e manter a ditadura, foram fornidos com arcas e mais arcas de dinheiro público.
Em 1971, o falecido dono da Folha de São Paulo, Otavio Frias de Oliveira, escreveu o seguinte editorial na Folha da Tarde, outro jornal do já então Grupo Folha:

“Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. O país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete o sentimento deste." Octávio Frias de Oliveira, 22 de setembro de 1971”.

Em 1989, na redemocratização de fato do país, a mídia aliou-se a Collor contra Lula; em 1994, aliou-se a FHC contra Lula. Mesmo tendo que se render ao movimento para derrubar Collor na última hora, quando as denúncias e a opinião pública já não o aceitavam mais, quem elegeu Collor foi a mídia, sobretudo a Globo.
Os governos Sarney e Itamar não foram apoiados tão completamente pela mídia, mas não havia sabotagem de escândalos diários durante esses governos. Pode-se dizer que a mídia tinha uma convivência absolutamente “civilizada” com eles. Claro que, depois da ruína do fim do governo Sarney, com a inflação batendo em 5 mil por cento ao ano, não dava para deixar de criticar. Até porque, Collor vinha com discurso de mudança e era o anti-Lula da vez.
Temos que analisar que Lula, hoje, é o grande articulador político da centro-esquerda no Brasil. Ele tem sabido usar o poder do Estado de forma a resistir a uma máquina imensa, azeitada por dinheiro público durante décadas incontáveis. A Globo, por exemplo, é um dos maiores impérios de comunicação do mundo. Lucra bilhões. E foi construída pelo regime militar.
Ninguém conseguirá hoje montar um poder de comunicação igual. Não há dinheiro para investimento que chegue. Bater de frente publicamente com a Globo, que entra em mais de 90 por cento dos lares brasileiros e que pode calar seus adversários políticos sob o escudo da “liberdade de imprensa”, seria inútil. Até porque, o sistema político brasileiro não oferece armas tão poderosas em termos de comunicação ao gestor da máquina federal.
Há que bater de frente no campo da abertura dos cofres públicos e na promoção de políticas públicas que favoreçam as maiorias. Daí as políticas públicas que incluem dezenas de milhões e que as fazem ficar satisfeitas, em maioria tão expressiva, com a forma como o país é governado. No fim das contas, a mídia debocha, tripudia, insulta, censura aqueles que não se conformam com a sabotagem de um projeto de país que apóiam e com o acobertamento da corrupção praticada pelos que propõem a volta ao projeto anterior.
José Serra é o político com maiores chances estatísticas de governar o país, segundo as pesquisas de opinião. Fosse qualquer outro político, seu governo estaria sendo esquadrinhado pela mídia tanto quanto o governo Lula ou até mais, para compensar os tantos anos que o governo do Estado de São Paulo não é fiscalizado por essa mesma mídia. É fácil entender por que isso não acontece.
A explicação começa a ser encontrada quando se vê a Justiça investigando contratos suspeitos do governo Serra com meios de comunicação, como no caso das compras de livros didáticos da Editora Abril. E as suspeitas crescem quando se sabe que há dezenas e dezenas de pedidos de CPI contra o governo Serra parados na Assembléia Legislativa paulista e a mídia não noticia nada, esconde tudo, à diferença do que faz com o Congresso e com o governo Lula.
É o jogo do poder que é jogado aqui e no resto do mundo. Porque este jogo é jogado em toda América Latina e até nos EUA. Os correspondentes da mídia brasileira estão na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na Nicarágua, na Guatemala e até nos EUA, ainda que na superpotência exista maior pluralidade do que em qualquer outro país das Américas, com exceção do Canadá que vive em realidade totalmente diferente da do resto do continente americano.
Órgãos como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) abrigam um conchavo continental entre famílias midiáticas das três Américas. Essas famílias atuam em conjunto para favorecerem projetos nacionais que mantenham a desigualdade social que faz do setor social dessas famílias uma casta que atravessa décadas cada vez mais rica e poderosa.
O jogo do poder que se trava nas Américas hoje precisará se manter neste rumo por muitos e muitos anos para que essa concentração de poder econômico nas mãos dos setores sociais que abrigam famílias midiáticas seja dispersada de forma a que as massas também se vejam representadas naquele que é o maior poder contemporâneo, o poder de comunicação.
Mas há um rumo. Todos vimos acompanhando as quedas nas tiragens dos grandes jornais e a perda de audiência progressiva de uma Globo, ainda que esteja sendo para uma Record, emissora que, conjunturalmente e por razões que suspeito não serem as da maioria, tem furado o consenso midiático, em certa medida.
Naquela propaganda da Folha sobre as moscas que invadiu as tevês, vocês viram os peões das famílias midiáticas e da direita brasileira querendo tripudiar daqueles que não têm voz para debater com eles as teses que defendem para seus patrões e para seu grupo político-partidário. São pagos a peso de ouro. Sentem-se as últimas bolachinhas do pacote, claro. Muitos, como um Clóvis Rossi, provavelmente não viverão para ver uma possível derrocada dos barões da mídia. Outros, quando essa derrocada acontecer, já estarão ricos.
O calcanhar de Aquiles do aparato midiático, porém, são os governos estaduais. Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul... Uma parte enorme da arrecadação de impostos do país está sendo usada para vitaminar a máquina midiática, para mantê-la endinheirada de forma a poder falar mais alto do que as massas. Assim, enquanto oitenta por cento do país estão satisfeitos com o governo, a opinião dos seis por cento insatisfeitos é a que predomina na mídia.
Agora, se no ano que vem esses meios de comunicação perdessem um governo de São Paulo, por exemplo, haveria um baque financeiro enorme na máquina midiática. Ao lado desse baque, haveria uma desconcentração de poder da mídia. Aliás, a Conferência Nacional de Comunicação, que ocorrerá em dezembro deste ano, pode ser o primeiro passo para essa desconcentração, sobretudo se os resultados das eleições do ano que vem forem favoráveis à maioria dos brasileiros.
Nosso trabalho, pois, é de formiguinhas. Temos que trabalhar daqui enquanto o grupo político que ora trabalha para desconcentrar poder e riqueza faz a parte dele governando o Brasil. É duro agüentar as bofetadas que o poder midiático vitaminado pelos impostos paulistas, mineiros ou gaúchos desfere em nossos rostos sem parar, mas eles sabem muito bem que seu poder está vazando, mesmo que seja um vazamento ainda bem pequeno...

Escrito por Eduardo Guimarães às 11h32

Aplausos censurados

Artigo do Professor Gilson Caroni Filho que foi publicado no site da Carta Maior:

” Aplausos censurados, o desespero da mídia
Os governos militares censuravam a imprensa para impedir a denúncia de torturas, de escândalos administrativos e quaisquer notícias que evidenciassem as crises e a divisão interna do regime. A censura política das informações, institucionalizada pela Lei de Imprensa e pela Lei de Segurança Nacional, foi um dos pilares de sustentação da noite dos generais. Esse era o preço imposto pela ditadura.
Passados mais de 20 anos da redemocratização, com a crescente centralidade adquirida no processo político, a grande mídia comercial tomou para si o papel de autoridade coatora. Sem qualquer pretensão de exercer papel decisivo na promoção da cidadania, não mais oculta seu caráter partidário e deixa claro quais políticas públicas devem permanecer fora do noticiário.
A construção negativa da persona política de lideranças políticas do campo democrático-popular tornou-se o seu maior imperativo. Invertendo a equação da história “republicana” recente, há seis anos a imprensa passou a censurar o governo. Esse é o preço imposto pelo jornalismo de mercado; pelas relações de compadrio entre redações e oposição parlamentar, e pela crise identitária dos que foram desmascarados quando se esmeravam para definir qual era a “democracia aceitável”.
Com o esgotamento do modelo neoliberal, sentindo-se cada vez mais ameaçada como aparelho privado de hegemonia, a edição jornalística já não se contenta mais em subordinar a apuração ao julgamento sumário de fatos e pessoas. Censurar registros que sejam incômodos aos seus interesses político-econômicos, deslegitimado uma estrutura narrativa viciada, passou a fazer parte da política editorial do jornalismo brasileiro.
Em recente viagem a Genebra, o presidente Lula foi ovacionado ao discursar no Conselho Nacional de Direitos Humanos da ONU. Depois, segundo relato da BBC, “foi aplaudido seis vezes” ao criticar o Consenso de Washington e o neoliberalismo na plenária da OIT. O silêncio dos portais da grande imprensa e a ausência de qualquer referência ao fato nas edições da Folha de São Paulo, Globo e Estadão foi gritante.Representou o isolamento acústico dos aplausos recebidos. Uma parede midiática que abafa o “barulho insuportável” na razão inversa com que ampliou as vaias orquestradas na cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos em 2007, no Rio de Janeiro. Nada como um aparelho ideológico em desespero.
Se pesquisarmos as raízes do comportamento dos meios de comunicação, veremos que elas nos dirão o quanto já é forte a desagregação da ordem neoliberal a qual serviram desde o governo Collor, passando pelos dois mandatos de FHC. Durante doze anos (de 1990 a 2002), a sociedade civil sofreu rachaduras sob os abalos devastadores da “eficiência” de mercado. Elas afetaram a qualidade da história, as probabilidades de uma República democrática e de uma nação independente.
Lula aparece como condensação das forças sociais e políticas que se voltaram para a construção de um novo contrato social. O tucanato, com apoio de seus porta-vozes nas redações, figura como ator que tenta reproduzir o passado no presente, anulando ganhos e direitos sociais. O que parece assustar colunistas, articulistas e blogueiros é o crescente repúdio à truculência infamante que produzem diariamente. Salvo, claro, a parcela da classe média que tem no denuncismo vazio e no rancor classista elementos imprescindíveis à sua cadeia alimentar. Aquele restolho que costuma pagar a ração diária com comentários insultuosos, sob a proteção do anonimato.É preciso ficar claro que estamos avançando. Ou os de cima aprendem a conviver com os de baixo, ou como na fábula da cigarra e da formiga, poderão descobrir o arrependimento tarde demais. Seria interessante para a própria imprensa que trocasse os insultos de seus escribas mais conhecidos pelo debate verdadeiramente político. Aquele que busca compreender as condições sociais, políticas, culturais e econômicas de uma modernização que, por não promover exclusão, representa revolução democrática combinada com mudança social. Isso inclui aplausos, mesmo que abafados.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.”