terça-feira, 12 de maio de 2009

A Ilha Taparacha

Sentia o frio n´alma, enquanto Amâncio Candidondino adormecia em quietação e eu, entorpecida na umidade do relento da noite, gemia contornos e silhuetas abandonadas desde sempre. Viajeiro de sonhos lúcidos ele vogara até o ano de 1874, quando todos começaram a dar um sentido na ocupação dos espaços de campo e mato de mim, uma ilha faladeira metida a pique. Fui nomeada Taparacha, pelos corvos e aduladores, heróis e gado, todos medrando sob o olhar do cururu. Sapo grande, com pele enrugada, dissuasor, predador dos que se vêem pequenos e frágeis. Fingidor de sonhos. Sorriso fácil e confiado. Naqueles tempos de jovem senhora, arreganhada e prazenteira, fui descuidada para os sentidos da ocupação. Permaneço grávida desde a primeira tropeada dos capitães e contrabandistas de gado e éguas.

As cortaduras em cruz do asfalto fatiam minhas terras, fazendo-me um chão de passagem, sem outro proveito que me deixar cruzar. Não faço mais caso. Deixo-me usar. Mormacenta, unindo as duas partes de uma mesma crosta continentina, por sujeição ao capricho de formação da natureza e interesses civilizatórios. Sensata, entediada e pesada, continuo minha sina e cubro a fenda. Sou a ilha Taparacha. Há quem aponte que separo os dois lados de uma mesma massa de terra. Essa racha preenchida, em parte por mim, ilha da escolha de muitos para morarem, é, também, recheada de águas subidas das profundezas ingênuas. Na superfície sem vida, dos dias de hoje, em cor barrenta, essas águas denunciam uma agonia, Vimos sendo transformadas em esgoto do continente e dos moradores dessa ilha. As sereias e vivos submersos deixaram as águas da fenda, foram expulsos pela indiferença e desprezo e preguiça. As águas da fenda continuam sendo apodrecidas e roubadas. Sua cor marrom oleosa, o mau cheiro e o abaixamento dos níveis demarcatórios nas margens da fenda avisam o cansaço e a desistência de continuar a resistir, Estou com medo, as barragens dos arrozeiros continuam me secando e a dejeção humana continua me envenenando. Ninguém escuta os gritos de alerta do rio.

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